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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os "assassinatos seletivos" praticados por Israel são legítimos?
NÃO
Gramáticas do terror
DEMÉTRIO MAGNOLI
O terrorismo define-se como a
ação política que luta contra o poder estabelecido por meio de atos de
violência dirigidos a civis ou militares
não-combatentes. A clássica definição
deve ser lembrada, pois a "guerra ao terror" deturpou a linguagem enquanto
envenenava a política internacional.
Os fanáticos da Al Qaeda praticam o
terror quando lançam aviões contra as
torres do World Trade Center ou explodem trens em Madri. Mas os autores de
atentados contra soldados ocupantes
no Iraque não podem ser classificados
como terroristas, pois seus alvos são
forças combatentes. A linguagem de
George Bush rotula uns e outros como
terroristas, de modo a persuadir a opinião pública a acreditar que a política
mundial é um confronto entre o Ocidente e o "Terror".
A linguagem de Bush fornece um instrumento de incalculável valor ideológico para os Estados que enfrentam movimentos de contestação da ordem interna. Depois do 11 de Setembro de 2001,
pelo mundo afora, esses movimentos
passaram a ser, indiscriminadamente,
taxados de terroristas. Israel, em particular, declarou a sua própria "guerra ao
terror", que tem como alvo o conjunto
das instituições e organizações da resistência palestina. O governo Sharon decidiu que o homem-bomba que explode
um café em Jerusalém, o líder do Hamas
Yasser Arafat e o jovem que lança pedras contra tropas de ocupação na Cisjordânia são, todos eles, "terroristas".
O terror é condenável em todas as
suas formas, e não apenas por razões
morais. Os terroristas, por mais bela
que seja a causa que juram defender e
por mais tirânico que seja o regime que
combatem, provocam a asfixia da vida
política e a militarização das sociedades.
Seus atos legitimam a violência dos Estados perante a opinião pública e isolam
as oposições que desafiam o poder por
meios políticos legítimos. Quase sempre o terror serve aos fins daqueles que
declara combater.
Mas a condenação incondicional do
terror não deveria borrar a distinção
política entre diferentes modalidades de
terrorismo. O ETA, na Espanha, e o Hamas, na Palestina, como foi o caso do
IRA, no Reino Unido, inscrevem suas
ações no contexto de lutas nacionais e as
circunscrevem aos limites geográficos
de uma entidade estatal. Nesses casos, o
"princípio" da recusa categórica a "negociar com o terror", proclamado pelos
Estados num estágio do conflito, pode
ser modificado em estágio subseqüente,
como ocorreu com o IRA e, mais dia
menos dia, ocorrerá na Espanha e na
Palestina.
A Al Qaeda representa o terror de novo tipo, não pelo caráter mais letal de
seus atentados, mas pela natureza escatológica de seu fim político, que é o "império mundial do islã". Nesse caso, não
há como "negociar com o terror", pois
nada é capaz de satisfazer à aspiração de
restauração de uma idade de ouro do islã, que nunca existiu na história e pertence à esfera dos mitos. Mesmo assim,
a chave principal do combate ao "terror
global" não se encontra na guerra, mas
na política. O magnetismo crescente de
Osama bin Laden no mundo islâmico
depende, antes de tudo, da ocupação israelense da Palestina e da ocupação
americana do Iraque. A solução justa
desses conflitos é o pressuposto para o
isolamento da Al Qaeda e, mais adiante,
para a sua eliminação por meios militares e policiais.
O terrorismo é um instrumento de
combate do fraco contra o forte. A exceção é o terror de Estado, que resulta da
renúncia ao primado do Estado de Direito. Israel pratica o terror de Estado
quando utiliza força excessiva nos territórios ocupados, vitimando inocentes,
ou quando demole casas de parentes de
homens-bomba. A campanha sistemática de "assassinatos seletivos" contra líderes taxados de terroristas pertence ao
âmbito do terror de Estado, pois seu
princípio operativo é a substituição dos
tribunais pelo helicóptero artilhado. O
Estado, por definição, é o titular do monopólio da violência legítima. O governo de Ariel Sharon quer o monopólio
da violência, mas não se importa com a
legitimidade. Não age como um Estado,
mas como um aparelho militar guiado
pela sua própria lógica, um pouco como
os grupos terroristas.
A "guerra ao terror", na versão israelense, representa um risco incalculável,
e não apenas para Israel. Logo depois do
"assassinato seletivo" do xeque Ahmed
Yassin, milhares de árabes, no Cairo,
em Amã, na Cisjordânia e em Gaza saíram às ruas oferecendo-se como "mártires" para atentados terroristas, enquanto o Hamas ameaçava mirar "alvos
americanos" no mundo inteiro -o Hamas já recuou dessa ameaça, mas a tampa da garrafa que guardava o gênio foi
desenroscada.
Para deleite de Bin Laden, o governo
de Sharon está construindo uma ponte
entre o "terror nacional" na Palestina e
o "terror global" da Al Qaeda.
Demétrio Magnoli, 45, doutor em geografia
humana pela USP, é editor do periódico "Mundo
- Geografia e Política Internacional" e pesquisador do NADD-USP.
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