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Uma política de economia solidária
PAUL SINGER
A maioria dos movimentos sociais que lutam contra a miséria e a exclusão social se vale da economia solidária para alcançar seus fins
A ECONOMIA solidária se destaca por instaurar igualdade e
democracia no âmbito da empresa, assim como no relacionamento
entre empresas em rede e entre produtores e consumidores. A igualdade
e a democracia também caracterizam
as relações políticas entre as entidades representativas da economia solidária. Em suma, em todas as suas modalidades, rejeita o mando, preferindo, em seu lugar, a discussão, o entendimento e o consenso -e, quando este não pode ser alcançado, a decisão
pelo voto.
Nos últimos anos, a economia solidária tem sido objeto de políticas públicas por parte de governos municipais, estaduais e, desde 2003, também
do governo federal, que criou então a
Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária).
Essas políticas são formuladas e
implementadas por órgãos de governo que, por lei, são hierárquicos e baseados no princípio da autoridade política do eleito pelo povo: prefeito, governador e presidente da República.
Na interface entre o gestor público,
delegado da autoridade eleita, e o movimento da economia solidária se verifica o encontro entre duas lógicas
políticas diferentes, que, de alguma
forma, precisam ser conciliadas para
que a política pública possa se efetuar
de modo adequado.
Na esfera federal, a necessidade
dessa conciliação se manifestou desde o primeiro momento. A criação da
Senaes foi solicitada por um colégio
de lideranças do movimento a Lula,
recém-eleito, em fins de 2002. O presidente aceitou. O movimento indicou o meu nome para ser o secretário
nacional de Economia Solidária, proposta também aceita pelo então ministro do Trabalho Jaques Wagner e
pelo presidente.
Como conseqüência, a nova secretaria nasceu com dupla obrigação: integrar o governo federal e tomar parte
na formulação e na execução de suas
políticas, no âmbito de suas atribuições, de um lado, e tomar parte na formulação e na execução de programas
e projetos em conjunto com as entidades representativas do movimento
da economia solidária, de outro.
A política pública de economia solidária, no governo federal, começou a
ser construída a partir da instalação
da Senaes, que rapidamente encontrou forte ressonância em outros ministérios e bancos federais.
Grande número de parcerias entre
a secretaria e ministérios foram sendo estabelecidas, dos quais 13 integram o CNES (Conselho Nacional de
Economia Solidária), ao lado de bancos públicos e de representações de
gestores estaduais e municipais de
programas de economia solidária.
A interação sem dificuldades, no
CNES, desses órgãos do poder público com representantes do Fórum
Brasileiro de Economia Solidária e de
movimentos sociais e ONGs que adotam a economia solidária mostra que
a conciliação das diferentes lógicas
políticas pode se dar na prática.
É importante notar que, hoje, a
maioria dos movimentos sociais que
lutam contra a miséria e a exclusão
social se vale da economia solidária
para alcançar seus fins. Por isso, eles
se apóiam cada vez mais na Senaes e
estão representados no CNES. A possibilidade dessa interação sem cooptação decorre da política que a Senaes, em conjunto com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, vem
desenvolvendo.
A composição da equipe da Senaes
obedeceu ao mesmo propósito. Seus
membros foram escolhidos para que
as diversas modalidades de economia
solidária e as diferentes regiões do
país estivessem representadas.
Embora a secretaria esteja organizada em vários níveis hierárquicos,
muitas das discussões de problemas e
das políticas para resolvê-los são feitas por toda a equipe ou, quando isso
não é possível, por um comitê gestor
ampliado, que reúne quase um terço
dos seus membros.
Na grande maioria das vezes, as discussões terminam em consenso -que
os membros da Senaes aprenderam a
construir ao longo desses últimos
quase quatro anos. Só quando o consenso não se mostra possível é que o
princípio hierárquico prevalece na tomada da decisão. Isso se torna necessário porque os que ocupam posições
de mais poder também são os que assumem maior responsabilidade pelo
que ficar resolvido.
Como quase sempre as resoluções
são fruto de elaboração coletiva e decisão consensual, a equipe da Senaes
se sente responsável por elas, do que
resulta uma política pública bem melhor do que se ela tivesse sido decidida
apenas pela cúpula. E o melhor de tudo é que o modo de elaboração faz
com a política seja bem congruente
com o espírito da economia solidária.
Dessa maneira, o apoio material e
político do poder público à economia
solidária permite que ela se desenvolva de acordo com a sua natureza igualitária e democrática.
PAUL SINGER, 75, economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, é secretário
nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho
e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de
São Paulo (gestão Luiza Erundina).
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