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JOSÉ SARNEY
Ver, ler e reler
NÃO POR FALTA de livros.
Minha coluna de leitura da
vez, que tenho por hábito
construir ao lado de minha mesa de
cabeceira, está alta, mas, por desejo
cujas origens identifico como encabulado saudosismo, deu-me
vontade de reler anais parlamentares, velhos discursos. Uma certa
crise de nostalgia.
Cheguei ao Parlamento, no Rio,
em 1955. Fiquei fascinado com o
palácio Tiradentes, vendo ali, em
carne e osso, os ídolos das nossas
lutas políticas da UDN: Afonso Arinos -que veio a transformar-se
num grande e glorioso amigo-,
Otávio Mangabeira, Adauto Lúcio
Cardoso, Prado Kelly, Milton Campos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro,
Oscar Dias Correa, o velho Raul Pilla, do Partido Libertador, os consagrados governistas, Gustavo Capanema, Lúcio Bittencourt, Fernando Ferrari, Vieira de Mello,
Tancredo Neves, José Maria Alkmin e -o mais discutido de todos,
estrela de primeira grandeza, brilho e fogo- Carlos Lacerda, o próprio ícone da Casa.
O plenário era uma festa de inteligência. Os debates eram os mais
fascinantes. Apartes e contra-apartes. Era o Parlamento do século 19,
do discurso, onde se esgotava a arte
legislativa. Assisti nestes 50 anos
às mudanças de estilo, às mudanças do tempo, e sobretudo, à morte
dos homens.
Hoje, tenho o sentimento de que
o discurso parlamentar vive do instante, da circunstância, das paixões
que ele suscita e mata. É o aparte,
muitas vezes mais forte que o discurso, é uma discussão jurídica, é
um duelo cultural. As páginas tinham perdido a vida, existindo
apenas na minha lembrança.
Como exemplo, a memória do
discurso de Carlos Lacerda, defendendo-se de ter violado o decoro
parlamentar, acusado de traição
por ter revelado um telegrama secreto do Itamaraty. Esse discurso,
célebre nos anais da Câmara, tinha
título -naquela época era norma
dar nome aos discursos: "A corrida
dos touros embolados". Foi um dia
de explosão solar. Todos agradecidos da ventura de assisti-lo. Fui relê-lo, na esperança de matar saudades. Fechei o livro nas primeiras
páginas. As luzes do tempo estavam apagadas.
Abri os "Discursos Parlamentares", de Nabuco. Aí, o brilho que estava na minha cabeça, da luta da
Abolição, também estava sem vida.
Como é diferente o Parlamento
de hoje, com computador, com
blog, portal, site de busca. Os discursos vivem na obstinação do
Mão-Santa.
O tempo real encarregou-se de
matar as palavras e as notícias. Tudo parece que não acontece, está
para acontecer.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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