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TENDÊNCIAS/DEBATES
A maioridade da consciência
DEMÓSTENES TORRES
Antes de conhecer na prática os efeitos de manter soltos autores de crimes graves só por serem menores, eu era favorável a deixar como está
A SECRETARIA Nacional de Segurança Pública do Ministério
da Justiça publicou em setembro passado o número de crimes cometidos em 2005. Foram 5.382.911
apenas os registrados, pois nem todas
as secretarias de Segurança informaram o total -e há milhões de vítimas
que não procuram as autoridades.
O Ilanud (Instituto Latino Americano de Política Criminal das Nações
Unidas para Prevenção do Crime e
Tratamento do Delinqüente), instituto insuspeito quando se trata da apologia à maioridade penal aos 18 anos,
estima que adolescentes sejam responsáveis por 10% do total de delitos.
Conclui-se, portanto, que os menores
cometam 600 mil crimes em um ano.
Sou defensor do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei moderna
que colocou o Brasil na vanguarda da
proteção dos que vão fazer o futuro.
Como promotor de Justiça, apliquei o ECA em todas as oportunidades que cabia. Procurador-geral de
Justiça de Goiás por dois mandatos,
trabalhei para dar condições a que todos os municípios criassem conselhos tutelar e de defesa da criança e do
adolescente. Na Secretaria da Segurança Pública e Justiça goiana, investi
na Delegacia de Proteção à Criança e
ao Adolescente e no preparo da polícia para lidar com menores com rigoroso respeito aos direitos humanos.
No Senado, apresentei projetos que
protegem os jovens, inclusive dos menores infratores e da falta de amanhã.
A junção do número de crimes cometidos por menores e da experiência diária no combate aos delitos e a
proteção à criança mudou minha opinião sobre a maioridade penal.
Antes de conhecer na prática os
efeitos de manter soltos autores de
crimes graves só porque não haviam
completado 18 anos, eu era favorável
a deixar como está. Agora, só não seria contra se fosse omisso. Não se muda de lado por causa de manchetes ou
de clamor. São os números que demolem argumentos fáceis.
A simples redução da maioridade,
afinal aprovada ontem pela Comissão
de Constituição e Justiça do Senado,
não resolve. É necessário um conjunto de medidas, a começar pela implantação imediata da escola em tempo integral, passando pelo combate à
impunidade, para ter como resultado
a tranqüilidade nas ruas e nos lares.
O problema é que quem se arvora
em tutor dos jovens apenas porque
prefere a maioridade aos 18 anos não
age com a coerência que apregoa.
Um projeto de minha autoria, que,
entre outros avanços, obriga o governo a fornecer ensino curricular e cursos profissionalizantes para os internados, está parado há mais de dois
anos aguardando parecer dos relatores designados. Não vai a votação porque o governo, suposto defensor das
crianças e dos adolescentes, não quer
que os infratores saiam dos centros
de internação com ensino médio
completo e profissão para competir
no mercado de trabalho.
Esse discurso sem lastro fica ainda
mais frágil quando se apuram as teses. O grupo contrário à redução vocifera que ela é inconstitucional, que
viola tratados internacionais, que aumentaria a balbúrdia no já caótico sistema penitenciário. Não é assim.
Cláusula pétrea (que só pode ser
modificada por Assembléia Nacional
Constituinte) é fixar idade mínima
para punição, que pode ser qualquer
uma. As convenções de que o Brasil é
signatário, citadas pela turma do deixa-como-está, não determinam uma
idade penal mínima, à exceção da pena de morte, por exemplo. A redução
não tumultuaria as cadeias mais do
que já estão porque, na última quarta-feira, foi aprovada a separação interna nos presídios por grau de periculosidade. Falta estabelecer espaço para
os criminosos entre 16 e 18 anos.
Assim, divorciada da realidade e
fundada em conteúdo débil, a turma
segue convencendo os que pouco pesquisam. Não adianta apelar para contrapropaganda.
A redução vale para crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo. Ou seja, crimes revestidos de
extrema gravidade. Não serão punidos pela lei penal os autores de crimes
comuns, alguns, inclusive, graves, como o roubo. A estes será aplicada medida socioeducativa, como se faz hoje.
Os próprios parlamentares que desejam a continuação da maioridade
aos 18 calculam, sem fundamentação
técnico-científica, que serão atingidos 11 mil infratores. Talvez a quantidade seja muito menor, pois a possibilidade de responder penalmente
como adulto vai provocar o pânico em
quem tem a certeza da impunidade
ou da aplicação de medida socioeducativa que, essa, sim, coloca no mesmo patamar quem mata para roubar e
quem pratica infrações leves.
Ao aprovar a redução, o Senado deu
um grande e pioneiro passo, que certamente será confirmado no plenário
e a seguir na Câmara dos Deputados.
É a consciência dos parlamentares
chegando à maioridade também nessa área, se distanciando da falácia de
que o criminoso de 16 ou 17 anos é só
vítima da desigualdade social que estuprou por estar na idade da rebeldia
e merece apenas colo e pedagogia.
DEMÓSTENES TORRES, 46, procurador de Justiça, é senador da República pelo DEM-GO (ex-PFL). É o relator do projeto de redução da maioridade penal.
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