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BORIS FAUSTO
O sapato de Cinderela
Os analistas políticos europeus
têm procurado entender o avanço da extrema direita no continente,
caracterizando-o como uma forma de
populismo.
Em um texto integrante de um dossiê sobre o tema, publicado pelo jornal
francês "Le Monde" (19/5), Yves
Mény recorda uma observação do notável pensador britânico Isaiah Berlin,
já lá vão 35 anos. Para Berlin, o fenômeno populista assemelha-se a um
"complexo de Cinderela": existe um
calçado -a palavra "populismo"- à
procura de um pé difícil de encontrar.
É essa dificuldade que os analistas
europeus procuram enfrentar, buscando os traços comuns aos líderes da
extrema direita, em meio às grandes
diferenças que separam, por exemplo,
Le Pen, na França, de Pim Fortuyn na
Holanda, aliás assassinado no curso
de meteórica ascensão. A preocupação central em definir e esclarecer o
conteúdo do populismo, ou melhor
dizendo o conteúdo dos populismos,
inverteu-se assim, no plano geográfico, passando da América Latina para a
Europa.
Neste lado do Atlântico, a grande fase do populismo -Vargas no Brasil,
Perón na Argentina, Ibáñez no Chile- teve muitos traços distintivos
com relação ao que ocorre hoje no
continente europeu. Na América Latina, se o desprezo pelos partidos, assim
como a existência de lideranças carismáticas, foi elemento integrante do
que poderíamos chamar de populismo clássico, suas bases sociais foram
outras, respondendo a circunstâncias
históricas que nada têm a ver com a
Europa atual.
A força do populismo clássico latino-americano residiu na capacidade
de aglutinação do poder do Estado,
articulando um tripé que aproximava
a chamada burguesia nacional, beneficiada pelo guarda-chuva protetor do
Estado, e a classe operária organizada,
participante -como sócia menor-
dos êxitos do desenvolvimento econômico.
Esse populismo desapareceu, em razão de diferentes fatores. No caso brasileiro, a burguesia nacional fugiu do
radicalismo populista de Jango e especialmente de Brizola, apoiando o golpe militar de 1964; no fim da década de
70, começou a crise do Estado e do
modelo econômico desenvolvimentista que o regime militar mantivera
com retoques; o movimento operário
ressurgiu, ganhando autonomia e alterando suas relações com o empresariado e o Estado.
Se o populismo clássico morreu, as
formas de um neo-populismo desenharam-se nas últimas décadas.
Olhando para os nomes da cúpula política, certamente não é o caso do presidente Fernando Henrique Cardoso,
que, em oito anos de governo, foi
avesso a essa tendência. Mas é o caso
de Fernando Collor -representante
estrondoso, mas não único, do estilo
populista.
Hoje, observando a corrida presidencial, vemos traços do neo-populismo -liderança carismática, manipulação retórica de programas de governo, certo menosprezo das organizações partidárias, em alguns casos-
no comportamento de alguns candidatos, embora diferentes entre si.
O sapato de Cinderela não está, por
estas bandas, à procura de um pé. Pelo
contrário, há gente com altas pretensões, tratando de calçá-lo, em busca de
êxito.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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