São Paulo, quarta-feira, 27 de maio de 2009

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O teste dos Kirchner

Ameaçado de perder apoio parlamentar em junho, casal vê crescer resistência de argentinos a seu projeto de poder

UM IMPASSE político acirra o conflito social e deteriora as expectativas sobre a economia na Argentina. O país enfrenta eleições legislativas, marcadas para 28 de junho, que vão renovar metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado.
Até aqui Néstor -presidente de 2003 a 2007- e Cristina Kirchner -que sucedeu ao marido- têm contado com o apoio da maioria dos congressistas. Isso garantiu certa tranquilidade à Casa Rosada, apesar da traumática derrota na tentativa de aumentar impostos sobre a agricultura, em julho do ano passado.
A novidade trazida por algumas pesquisas eleitorais é que, pela primeira vez, o casal Kirchner está ameaçado de perder o domínio do Congresso -é provável, no mínimo, que a base governista saia menor da eleição. O fato por trás dessa expectativa é o desgaste na popularidade da presidente. Hoje, apenas um em cada três argentinos aprova a gestão de Cristina Kirchner.
Mas o casal já deu mostras de que, quando se trata de manter o controle do jogo, vale até alterar suas regras básicas. Numa manobra grosseira, a eleição legislativa, originalmente marcada para outubro, foi antecipada em quatro meses, a fim de tentar evitar um estrago maior, com o acúmulo do desgaste presidencial.
A economia dá sinais de fraquejar, após um ciclo de seis anos de exuberante crescimento do PIB. A sem-cerimônia do governo ao distorcer estatísticas nessa área, contudo, não permite enxergar a realidade pela ótica dos dados oficiais. Analistas independentes preveem uma recessão da ordem de 2% neste ano.
Além de ter contado com a forte recuperação da renda nacional e de ter expandido programas assistenciais, a gestão dos Kirchner empreendeu um grande programa para cooptar movimentos sociais -como os piqueteiros- que representavam uma promessa de renovação no tradicional jogo de forças políticas na Argentina. Essa cooptação até hoje ajuda a amortecer as demonstrações de hostilidade contra o governismo.
A oposição, contudo, surge de outros setores. A insatisfação da classe média argentina -segmento que tem mais peso no eleitorado daquele país do que no brasileiro- ficou evidente quando se perfilou ao lado dos ruralistas, na queda-de-braço com a Casa Rosada. Daquele episódio emergiu o nome de Julio Cobos, o vice-presidente responsável pelo voto, no Senado, que enterrou a proposta de aumentar impostos.
Cobos pertence à União Cívica Radical, rival histórica do peronismo dos Kirchner. A UCR havia entrado em franca decadência após o desastroso governo De la Rúa, a ponto de um de seus quadros ter aceitado ser vice de Cristina Kirchner.
O desgaste da presidente, a ascensão de Cobos e a comoção nacional despertada pela morte, no fim de março, de Raúl Alfonsín -expoente da UCR que presidiu o país na difícil transição da ditadura- deixam a impressão de que os Kirchner terão uma duríssima parada na eleição presidencial de 2011. Isso se decidirem mesmo disputar.


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