São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2010

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Um novo centro

Em ritmo lento, decadência dos bairros centrais de São Paulo tem sido enfrentada, mas região ainda reflete as contradições da metrópole

Quando inaugurado, em 1911, o Teatro Municipal de São Paulo era um símbolo das aspirações do baronato do café, empenhado em construir na sua cidade um centro cultural à altura dos similares europeus. Como se sabe, foi no Municipal que teve lugar a Semana de 1922, marco inaugural do modernismo brasileiro.
No fim do século, em 1999, também na região central, inaugurou-se o Centro Cultural Júlio Prestes, onde fica a Sala São Paulo, casa da Osesp, a mais conceituada orquestra da América Latina. Ali funcionava a estação ferroviária de onde saíam os trilhos da Sorocabana, que levava o café até o porto de Santos.
Nesses 90 anos que separam o antigo Teatro Municipal da nova Sala São Paulo a cidade sofreu grandes mutações. A urbe dos modernistas pouco tem a ver com a que se desenvolveu ao longo do século 20 -esta, sim, desvairada. Basta dizer que hoje circulam diariamente pela região central 1,3 milhão de pessoas, mais do que o dobro dos habitantes da cidade no início da década de 1920.
É impensável que o centro da metrópole possa reviver a atmosfera de um século atrás. Mas isso não significa que se deva ver com resignação o atual estado de coisas. A Sala São Paulo, símbolo inaugural da tentativa de revitalização, ainda se encontra ilhada, em meio à deterioração urbana e a terrível realidade da cracolândia.
O contraste tão chocante entre o polo da alta cultura e a precariedade social que o rodeia evidencia o quanto ainda há por fazer naquela área. A depreciação ali vem de longe. É anterior à década de 1970, mas a inauguração do elevado Costa e Silva, em 1971, ajudou a acelerar o processo. Durante os anos 1980, já em decadência, o centro sofreu de maneira intensa os efeitos da crise econômica que atingiu o país e sua maior cidade.
Os bancos mudaram-se para novos "centros", muitas lojas fecharam, apartamentos foram abandonados, imóveis perderam valor, vieram os cortiços, os assaltos, a sensação de insegurança, a explosão do comércio de ambulantes e a sujeira nas ruas. Criou-se um ciclo vicioso do qual ainda hoje a região se ressente.
Foi nos anos 1990 que começaram os esforços mais organizados de revitalização. O governo do Estado transferiu secretarias para a área central e, a seguir, a prefeitura mudou-se para o edifício Matarazzo, no viaduto do Chá.
Ao mesmo tempo, uma inusitada ocupação da praça Roosevelt por grupos teatrais nos últimos anos transformou aquele espaço em referência da vida cultural e boêmia. A própria Virada Cultural contribui para que o centro seja visto novamente como um lugar de lazer, cultura e educação. Esses movimentos contrastam com a persistente tendência, também real, de deterioração -o que reflete as contradições da cidade.
O projeto da Nova Luz, que já se arrasta há vários anos, poderá revestir-se de uma importância vital para o futuro São Paulo. Se bem sucedida, a parceria do poder público com a iniciativa privada irá retirar da ruína uma área histórica, onde se escondem atrativos urbanísticos e arquitetônicos .
Mas, para que isso represente uma mudança efetiva -e não apenas uma operação do mercado imobiliário-, é preciso que o poder público enfrente a tragédia social da cracolândia e dê sinais convincentes de que fará dos bairros centrais lugares mais seguros, limpos e habitáveis.


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