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Um novo centro
Em ritmo lento, decadência dos bairros centrais de São Paulo tem sido enfrentada, mas região ainda reflete as contradições da metrópole
Quando inaugurado, em 1911, o
Teatro Municipal de São Paulo era
um símbolo das aspirações do baronato do café, empenhado em
construir na sua cidade um centro
cultural à altura dos similares europeus. Como se sabe, foi no Municipal que teve lugar a Semana
de 1922, marco inaugural do modernismo brasileiro.
No fim do século, em 1999, também na região central, inaugurou-se o Centro Cultural Júlio Prestes,
onde fica a Sala São Paulo, casa da
Osesp, a mais conceituada orquestra da América Latina. Ali
funcionava a estação ferroviária
de onde saíam os trilhos da Sorocabana, que levava o café até o
porto de Santos.
Nesses 90 anos que separam o
antigo Teatro Municipal da nova
Sala São Paulo a cidade sofreu
grandes mutações. A urbe dos modernistas pouco tem a ver com a
que se desenvolveu ao longo do
século 20 -esta, sim, desvairada.
Basta dizer que hoje circulam diariamente pela região central 1,3
milhão de pessoas, mais do que o
dobro dos habitantes da cidade no
início da década de 1920.
É impensável que o centro da
metrópole possa reviver a atmosfera de um século atrás. Mas isso
não significa que se deva ver com
resignação o atual estado de coisas. A Sala São Paulo, símbolo
inaugural da tentativa de revitalização, ainda se encontra ilhada,
em meio à deterioração urbana e a
terrível realidade da cracolândia.
O contraste tão chocante entre o
polo da alta cultura e a precariedade social que o rodeia evidencia o
quanto ainda há por fazer naquela
área. A depreciação ali vem de
longe. É anterior à década de 1970,
mas a inauguração do elevado
Costa e Silva, em 1971, ajudou a
acelerar o processo. Durante os
anos 1980, já em decadência, o
centro sofreu de maneira intensa
os efeitos da crise econômica que
atingiu o país e sua maior cidade.
Os bancos mudaram-se para
novos "centros", muitas lojas fecharam, apartamentos foram
abandonados, imóveis perderam
valor, vieram os cortiços, os assaltos, a sensação de insegurança, a
explosão do comércio de ambulantes e a sujeira nas ruas. Criou-se um ciclo vicioso do qual ainda
hoje a região se ressente.
Foi nos anos 1990 que começaram os esforços mais organizados
de revitalização. O governo do Estado transferiu secretarias para a
área central e, a seguir, a prefeitura mudou-se para o edifício Matarazzo, no viaduto do Chá.
Ao mesmo tempo, uma inusitada ocupação da praça Roosevelt
por grupos teatrais nos últimos
anos transformou aquele espaço
em referência da vida cultural e
boêmia. A própria Virada Cultural
contribui para que o centro seja
visto novamente como um lugar
de lazer, cultura e educação. Esses
movimentos contrastam com a
persistente tendência, também
real, de deterioração -o que reflete as contradições da cidade.
O projeto da Nova Luz, que já se
arrasta há vários anos, poderá revestir-se de uma importância vital
para o futuro São Paulo. Se bem
sucedida, a parceria do poder público com a iniciativa privada irá
retirar da ruína uma área histórica, onde se escondem atrativos urbanísticos e arquitetônicos .
Mas, para que isso represente
uma mudança efetiva -e não apenas uma operação do mercado
imobiliário-, é preciso que o poder público enfrente a tragédia social da cracolândia e dê sinais convincentes de que fará dos bairros
centrais lugares mais seguros,
limpos e habitáveis.
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