São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A igreja e a nova Reforma
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
O segundo mal-estar reside na misoginia ancestral, que é cada vez mais intolerável. São hoje muitos os historiadores que interpretam a imposição do celibato, a partir do século 12 e dos Concílios de Latrão, pelo medo do Vaticano de que os filhos dos padres viessem a herdar os bens da igreja. Como quer que seja, ela não tem nenhum fundamento dogmático e foi por isso que ela sempre tolerou a duplicidade. Enquanto a igreja do Norte da Europa interpretou a imposição do celibato como total renúncia ao sexo, a igreja do Sul da Europa, da América Latina e da África sempre fez a distinção entre casamento e sexo e soube, com isso, fazer respeitar as governantas das paróquias. Com o Concílio Vaticano 2º, a outra presença proibida às mulheres, a do sacerdócio, avantajou-se como um dos outros sinais incompreensíveis de imobilismo. Quarenta anos depois, se se deram alguns passos neste domínio, foram passos para trás. O escândalo da pedofilia e da efebofilia pode ter dois impactos de consequências imprevisíveis. O primeiro será a redução da sexualidade dos padres e bispos à pedofilia e à efebofilia, uma redução particularmente fácil numa sociedade puritana como é a norte-americana. Esta redução, a imperar, será mais um dos sinais da falência moral da Igreja Católica norte-americana. É lamentável assistir à retirada do arcebispo Weakland, de Milwaukee, um dos prelados mais lúcidos e progressistas dos EUA, apenas porque lhe foi descoberta uma relação homossexual com um adulto. A outra consequência imprevisível do escândalo é o fato de a comissão de leigos nomeada para investigar os abusos sexuais de padres e bispos ter poderes para denunciar os casos às autoridades civis para procedimento criminal. Esta competência se choca com preceitos do direito canônico, sobretudo no que diz respeito aos bispos. Qual vai ser a reação do Vaticano? E a dos fiéis? A igreja dos EUA é das que mais dependem das doações dos fiéis e estes dão sinais de não estarem dispostos a que as suas contribuições vão parar nos bolsos dos advogados. A pedofilia e a efebofilia não têm, aparentemente, nada a ver com o "sacro negócio" da compra e venda de bulas e indulgências, o rentismo transcendental que tanto revoltou Lutero. Mas, no fundo, estamos diante do mesmo abuso de uma posição de autoridade privilegiada, que trafica com a ingenuidade ou a indefensibilidade das pessoas a quem vende Deus para delas receber o corpo e a dignidade. Não estaremos perante uma nova Reforma. Mas, aos milhares de padres e bispos honestos e generosos e aos milhões de católicos que nunca se deixaram reduzir à condição de rebanho, é claro que a igreja precisa de reforma. Boaventura de Sousa Santos, 61, sociólogo, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Carlos Vogt: A Fapesp e a riqueza do conhecimento Índice |
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