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CLÓVIS ROSSI
Somos todos "subprime"?
BASILEIA - Quando nos mudamos para Madri, em 1992, para que
eu assumisse o posto de correspondente desta Folha, meus filhos, já
passados dos 20 anos, descobriram
uma coisa chamada crédito.
Explico: todos os três haviam
crescido com aquela obscena inflação brasileira, o que tornava pedir
dinheiro emprestado uma ousadia
fora dos planos de qualquer um que
tivesse bom senso -a menos, claro,
que seu nível de renda fosse bastante confortável.
Dois anos depois, veio o Plano
Real, a economia foi se estabilizando, se estabilizando e um ou dois
solavancos posteriores não alteraram o essencial: os preços tornaram-se suficientemente civilizados
para que uma importante fatia de
brasileiros descobrisse o que meus
filhos tiveram que aprender apenas
no exterior: crédito é uma coisinha
basicamente simples e que irriga
qualquer economia.
Até aí, portanto, a informação de
ontem do Banco Central de que o
nível de endividamento das famílias atingiu 34,8%, um recorde, pode ser lida como positiva.
Saiu-se de um nível "incipiente"
de crédito, segundo o próprio BC,
para um patamar consistente.
O problema começa quando se
olha para outro dado também do
BC: a taxa de inadimplência nas
operações dos bancos com pessoas
físicas chegou a 8,6% em maio, recorde da série histórica iniciada em
junho de 2000.
Em um país com renda muito
baixa, como continua sendo o Brasil, e em que se toma dinheiro
olhando se a prestação cabe no bolso, e não para a taxa de juros cobrada pelos bancos, há o risco de que
muita gente vire "subprime", aquele pessoal que comprou casas sem
ter renda suficiente para tanto e
acabou sendo o embrião da mais
grave crise econômico-financeira
do planeta em 60 anos.
Seria uma tremenda maldade
com uma sociedade asfixiada durante tanto tempo pela inflação.
crossi@uol.com.br
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