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JOSÉ SARNEY
A Lei dos Ventos
VOAR É UMA antiga e sedutora ambição do homem. Deus
tinha dado asas aos anjos e
as tinha negado a Adão.
Na mitologia criamos deuses alados e até o nosso pequeno Eros,
deus do amor, tinha uma flecha na
mão, para dizer do seu poder de
romper corações, mas, também,
pequeninas asas, para mostrar que
era fugidio e podia locomover-se
como os pássaros e pousar em
qualquer lugar.
Ícaro é uma das mais belas lendas criadas pela imaginação humana. O Livro 8 das Metamorfoses de
Ovídio conta como Dédalo, o arquiteto que tinha feito o labirinto para
aprisionar o Minotauro (aquele
monstro touro-homem), caiu em
desgraça com Minos, um rei que
dominava o mar e a terra, mas não
tinha poder sobre o ar. Dédalo fez
para si e seu filho Ícaro asas com
penas de todos os tamanhos e de
todas as aves. E ganhou os ares, como os pássaros. Pediu a Ícaro que o
seguisse, voasse baixo. Atraído pela
beleza do infinito, ele desobedeceu
o pai e voou mais alto. Aproximando-se do sol, Ícaro viu derreter a
cera que sustentava suas penas, e
caiu. Ficou o símbolo da ânsia de
voar e o perigo de não ser ave.
O homem tornou realidade esse
sonho e um brasileiro, Santos Dumont, foi bandeirante dessa transformação. Criaram-se máquinas
cada vez mais seguras e potentes e
fez-nos capazes de andar por todos
os ares e resistir àquela Lei dos
Ventos (correntes em grandes altitudes com velocidades incríveis)
que Leonardo da Vinci, na sua genialidade, descobrira somente com
a imaginação. Os pilotos conhecem
bem esses ventos que ajudam
quando são de popa e prejudicam
quando são de proa.
Mas, no Brasil de hoje, não são os
aviões nem os ventos que nos devolvem os receios de voar, não são
as nuvens nem as turbulências,
mas o que ocorre aqui em terra.
Construíram-se shopping centers
nos terminais de embarque e desembarque, mas nos esquecemos
de que avião pousa é em pista, e não
nas lojas de tax-free. Que eles são
orientados e navegam com a ajuda
de aparelhos sofisticados, radares,
ILS e outros. Mas nos esquecemos
de comprá-los. Deixamos morrer
algumas companhias aéreas e ficamos reduzidos a duas, novatas, sem
vivência maior do setor. Os órgãos
públicos afrouxaram a fiscalização
e controle, descuidando da segurança. O fim do DAC, antes que estivéssemos preparados para isso,
talvez tenha sido um erro. Mal com
ele, pior sem ele.
E nesse caos nasce uma esperança concreta: o espírito público de
Nelson Jobim aceitando o Ministério da Defesa e segurando Ícaro,
para que ele não se aproxime do
sol. Comando é a palavra-chave. E
ele tem pulso e experiência para isso.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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