São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Poder Judiciário em crise?

FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS e NINO OLIVEIRA TOLDO

Os últimos dias têm sido importantes para o Poder Judiciário e devem servir de marco histórico para a jovem democracia de nosso país

OS ÚLTIMOS dias têm sido importantes para o Poder Judiciário e devem servir de marco histórico para a jovem democracia de nosso país.
No dia 11 de julho, em feito inédito, juízes federais de São Paulo manifestaram publicamente sua indignação diante de decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), que, ao conceder medida liminar em habeas corpus, determinou o encaminhamento de cópia de sua decisão a órgãos administrativos, sem especificar a razão pela qual o fazia.
Interpretaram os magistrados que tal atitude representava intenção de mandar investigar, no âmbito disciplinar, a conduta do juiz de primeira instância. Em resposta a correspondência da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), o ministro afirmou que "em nenhum momento houve determinação de que se procedesse a qualquer averiguação de conteúdo, quer sob o ponto de vista técnico, quer ideológico, de provimento judicial" e que tal determinação visava "unicamente complementar estudos destinados à regulamentação de medidas constritivas de liberdade, ora em andamento tanto no Conselho Nacional de Justiça quanto no Conselho da Justiça Federal".
Diante disso, os juízes federais de São Paulo, reforçados pelo apoio de mais de 400 magistrados de todo o Brasil, bem como de membros do Ministério Público, da Polícia Federal e de inúmeras associações de classe e órgãos da sociedade civil, manifestaram, em ato público, irrestrito apoio ao juiz federal, defendendo a independência funcional da magistratura. Estaria o Poder Judiciário em crise? O que se pode tirar de lição de tão belo e importante movimento?
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o Poder Judiciário não está em crise. Não é da cultura de nosso país que juízes se manifestem publicamente, contestando posições da cúpula do Poder. No entanto, é preciso entender que os magistrados são cidadãos, conscientes de seus direitos e de seus deveres; têm sentimentos, são altamente preparados para desempenhar a importante função de julgar. Por isso, têm aguçado senso crítico, e a crítica é inerente à democracia.
O presidente do STF é o chefe do Poder Judiciário, mas isso não significa que seja o chefe dos juízes. A independência funcional da magistratura é fundamental para o fortalecimento do Estado democrático de Direito.
A independência que tem o juiz de primeiro grau é exatamente a mesma que tem o ministro do STF e qualquer outro magistrado. Essa independência tem que ser defendida, sempre. A magistratura de primeira instância deve ser respeitada. É o juiz de primeiro grau que tem contato direto com os cidadãos, em todas as lides. A centralização de poder judicial nos tribunais superiores não atende aos elevados interesses da sociedade.
Quando se fala em reforma do Judiciário, isso deve ser levado em conta.
Os representantes da magistratura têm compromissos não só corporativos, mas, fundamentalmente, de fortalecer os ideais democráticos que constituem a base de uma sociedade justa, livre e solidária, um dos objetivos constitucionais do Brasil. O que se viu nos últimos dias, quando os juízes foram ouvidos, não pode ser esquecido. É preciso que a sociedade conheça melhor o Judiciário e seus integrantes, identificando a real importância dessa atividade e os seus crônicos problemas. A partir disso, a sociedade terá melhores condições de exigir desse Poder a efetividade do direito. Justiça tardia não é justa. É o momento de trabalhar por uma verdadeira e efetiva reforma do Judiciário. Nenhum tema pode ser considerado tabu. Devem ser discutidos desde a efetividade da jurisdição até o critério de indicação dos membros dos tribunais superiores, inclusive com a criação de uma verdadeira corte constitucional, com mandato fixo. A Ajufe, na sua posição de entidade da sociedade civil e representante dos juízes federais brasileiros, está aberta ao debate, pois é seu objetivo estatutário pugnar pelo fortalecimento do Poder Judiciário e de seus integrantes, pelo aperfeiçoamento do Estado democrático de Direito e pela plena observância dos direitos humanos.


FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS, 34, mestre em direito público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), juiz federal, é presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil.
NINO OLIVEIRA TOLDO, 43, mestre em direito obrigacional público pela Unesp, doutor em direito econômico e financeiro pela USP, juiz federal, é vice-presidente da Ajufe para a 3ª Região (SP e MS).


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