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Previdência e opinião pública
EDUARDO FAGNANI e JOSÉ CELSO CARDOSO JR.
As classes dominantes tentam "comprovar" a inviabilidade da Previdência e propõem reformas para fazer retroceder conquistas
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"O Brasil é um país em que a miséria de grande parte da população não encontra outra explicação que a resistência das
classes dominantes a toda mudança capaz de pôr em risco seus privilégios."(Celso Furtado, 1979)
NO ATUAL debate sobre a Previdência, a percepção de Furtado permanece viva. As classes dominantes jamais aceitaram os
avanços de 1988, mesmo quando se
trata apenas de garantir direitos sociais básicos para a construção de
uma sociedade democrática e justa.
Desde então, tentam "comprovar"
sua inviabilidade financeira e propõem reformas para fazer retroceder
conquistas -muitas das quais já efetivadas. É emblemático que, em 2006,
entidades do setor financeiro tenham
patrocinado o documento "Um novo
modelo de Previdência Social para o
Brasil", que propugna enterrar o que
restou da seguridade social brasileira.
Em 2007, o FNPS reacendeu essas
esperanças. O debate é focado na solução de problemas complexos -crises fiscal e financeira do Estado- por
meio do ajuste fiscal; e, este, pela supressão de direitos. Transparece uma
construção ideológica baseada em fatos parciais, alguns dos quais presentes na réplica de Fabio Giambiagi
("Tendências/Debates", 8/8) a um artigo de nossa autoria. Ele afirma que
"o Brasil gasta muito em aposentadorias e pouco em investimento".
O Brasil gasta muito em aposentadorias? A proporção gasto/PIB (7%)
indica que não transgredimos os padrões internacionais. Nem sequer se
pode afirmar que o gasto social brasileiro seja elevado. Estudos da Cepal
indicam que o gasto social por habitante na Argentina é o dobro. Também ficamos atrás de Panamá, Chile,
Costa Rica, Cuba e Uruguai.
É o gasto em aposentadoria o principal gasto corrente a inviabilizar os
investimentos? Os encargos financeiros lideram o ranking (8% do PIB).
Em razão das taxas de juros, entre
1994 e 2002 a relação dívida pública/
PIB foi de 29% para 60%; e, de 2003 a
2006, o estoque da dívida cresceu R$
500 bilhões -algo como 50 anos de
Bolsa Família; 22 anos de gastos federais em educação; 300 linhas similares ao trecho quatro do metrô paulista. Assim, por que obscurecer a questão financeira e apontar todas as baterias contra a Previdência Social?
Argumentam que a despesa com
benefícios tem crescido. De fato, foi
de 2,5% para 7% do PIB (1988-2006).
Mas, por que cresceu? Por causa da
montagem de um razoável sistema de
proteção social que beneficia direta e
indiretamente mais de 87 milhões de
pessoas; do medíocre crescimento do
PIB (2% ao ano, em média); da "corrida às aposentadorias" diante de reformas como as de 1998 e 2003; da recuperação real do salário mínimo (100%
de 1994 a 2006), que, aliás, apenas o
fez retornar ao patamar dos anos 80.
É certo que o ritmo será mantido?
Não. A emenda constitucional 20/98
já tornou as regras severas; o PAC
atrelou reajustes do mínimo ao PIB; e
50% da PEA (desempregados e informais) terá dificuldade de comprovar
contribuição previdenciária mínima.
A população vai envelhecer? Sim, a
proporção de idosos aumentará de
5,5% para 15,3% entre 2000 e 2040.
Mas o que acontecerá com o resto da
população? A de até 14 anos cairá de
29,8% para 19,3%, e a de 15 a 64 anos
aumentará de 64,8% para 65,4%. Logo, se teremos ônus ou bônus demográfico vai depender do nível e do tipo
de crescimento econômico vindouro,
e não da transição demográfica em si.
O Brasil não estabelece idade mínima? Ora, a EC 20/98 criou duas alternativas: a) aposentadoria "por idade"
aos 65/60 anos (homens/mulheres) e
15 anos de contribuição; b) "por tempo de contribuição" aos 35/30 anos,
com incidência do fator previdenciário até a idade mínima de 60/55. Nos
dois casos, o fluxo dos novos benefícios indica idade média semelhante à
dos países da OCDE, cujas condições
socioeconômicas, demográficas e regionais são superiores às nossas.
Por fim, não questionamos as convicções democráticas do nosso interlocutor. Mas apontamos que, ao afirmar que o "déficit" da Previdência "é
um fato real, e não contábil", desconsidera os artigos da Constituição que
explicitam e vinculam as fontes de financiamento da seguridade social.
Em 2006, ela foi superavitária em
mais de R$ 50 bilhões. A menção ao
conservadorismo se baseia em sua
obra, na qual tece críticas severas aos
avanços sociais da Carta de 1988.
Em suma, o debate proposto pela
ortodoxia é pontilhado por fatos parciais para justificar o ajuste fiscal. O
movimento social tem apontado para
uma estratégia de desenvolvimento
capaz de construir uma sociedade
justa. A escolha caberá à sociedade. O
papel ético dos especialistas é esclarecer a opinião pública.
EDUARDO FAGNANI , 51, economista, é professor doutor
do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho).
JOSÉ CELSO CARDOSO JR. , 38, economista, doutorando
pelo Instituto de Economia da Unicamp, é técnico de pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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