UOL




São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BORIS FAUSTO

A direita no poder

A natural preocupação com a política externa norte-americana, para nós que vivemos fora dos Estados Unidos, tende a deixar em segundo plano o que se passa no âmbito interno do país. No entanto política externa e política interna são faces de uma mesma moeda e uma não se explica sem alusão à outra.
Sob o comando de um governo que representa uma coalizão de fundamentalistas e neoconservadores, está ocorrendo nos Estados Unidos uma profunda transformação, na esfera da política, dos valores e das opções sociais. O eixo do país se desloca de um conservadorismo moderado para práticas e visões nitidamente de direita. A transformação se revela, desde logo, nas incursões contra os princípios democráticos de que são exemplo a invasão religiosa da esfera pública, a violação dos direitos individuais, a censura aos "diferentes", por opção opção política ou comportamental.
O "welfare state" mitigado, instituído nos Estados Unidos a partir da primeira presidência Roosevelt (1933), vem sendo corroído velozmente. Como mostra Paul Krugman, brilhante economista e jornalista crítico, promove-se a cruzada contra o "welfare state", com base em uma ideologia cujo grito de guerra é "o governo é o problema!", o que significa afastar a administração pública de áreas como a proteção ambiental, a regulamentação do mercado de ações, o controle do tráfego aéreo.
Mas, se o Estado abandona muitas atribuições, investe pesadamente na defesa nacional, em parte por necessidades reais, em grande parte, porém, para sustentar aventuras como a da Guerra do Iraque. Esses gastos, somados ao corte de impostos, no âmbito de uma economia em crise, resultaram na conversão de um superávit fiscal de US$ 230 bilhões, do governo Clinton, em um déficit de US$ 500 bilhões.
O que impressiona aí é o fato de que o princípio da responsabilidade fiscal foi abandonado, em favor dos gastos com a segurança, justificados por uma estridente campanha governamental e da mídia. Como, no quadro atual, é duvidoso afirmar que gastos dessa natureza estimulam a economia, esse é um bom exemplo da prevalência da ideologia sobre o pragmatismo.
O corte dos impostos, favorecendo os mais ricos, apesar do discurso em nome da classe média, tem como pressuposto o fato de que os pobres são os culpados de sua pobreza porque fracassaram numa sociedade de amplas oportunidades e livre competição. Por que não cortar-lhes, então, os benefícios sociais, ou jogar sobre eles a carga de impostos indiretos? Por que não deixar nas mãos dos mais ricos recursos que eles saberão como empregar?
Esses são alguns exemplos da profunda transformação que não é conservadora, e sim revolucionária, pela sua amplitude e profundidade. Até onde chegará a cruzada em marcha é difícil dizer. São ainda interrogações os rumos da eleição do próximo ano, ou a influência das críticas que começam a surgir, rompendo unanimidades. Mas o simples fato de que a cruzada esteja lançada, produzindo resultados "urbi et orbi", é suficiente para gerar fundadas inquietações.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O xis do problema
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.