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BORIS FAUSTO
A direita
no poder
A natural preocupação com a
política externa norte-americana,
para nós que vivemos fora dos Estados Unidos, tende a deixar em segundo plano o que se passa no âmbito interno do país. No entanto política externa e política interna são faces de
uma mesma moeda e uma não se explica sem alusão à outra.
Sob o comando de um governo que
representa uma coalizão de fundamentalistas e neoconservadores, está
ocorrendo nos Estados Unidos uma
profunda transformação, na esfera da
política, dos valores e das opções sociais. O eixo do país se desloca de um
conservadorismo moderado para
práticas e visões nitidamente de direita. A transformação se revela, desde
logo, nas incursões contra os princípios democráticos de que são exemplo a invasão religiosa da esfera pública, a violação dos direitos individuais,
a censura aos "diferentes", por opção
opção política ou comportamental.
O "welfare state" mitigado, instituído nos Estados Unidos a partir da primeira presidência Roosevelt (1933),
vem sendo corroído velozmente. Como mostra Paul Krugman, brilhante
economista e jornalista crítico, promove-se a cruzada contra o "welfare
state", com base em uma ideologia cujo grito de guerra é "o governo é o problema!", o que significa afastar a administração pública de áreas como a
proteção ambiental, a regulamentação do mercado de ações, o controle
do tráfego aéreo.
Mas, se o Estado abandona muitas
atribuições, investe pesadamente na
defesa nacional, em parte por necessidades reais, em grande parte, porém,
para sustentar aventuras como a da
Guerra do Iraque. Esses gastos, somados ao corte de impostos, no âmbito
de uma economia em crise, resultaram na conversão de um superávit fiscal de US$ 230 bilhões, do governo
Clinton, em um déficit de US$ 500 bilhões.
O que impressiona aí é o fato de que
o princípio da responsabilidade fiscal
foi abandonado, em favor dos gastos
com a segurança, justificados por uma
estridente campanha governamental
e da mídia. Como, no quadro atual, é
duvidoso afirmar que gastos dessa natureza estimulam a economia, esse é
um bom exemplo da prevalência da
ideologia sobre o pragmatismo.
O corte dos impostos, favorecendo
os mais ricos, apesar do discurso em
nome da classe média, tem como
pressuposto o fato de que os pobres
são os culpados de sua pobreza porque fracassaram numa sociedade de
amplas oportunidades e livre competição. Por que não cortar-lhes, então,
os benefícios sociais, ou jogar sobre
eles a carga de impostos indiretos? Por
que não deixar nas mãos dos mais ricos recursos que eles saberão como
empregar?
Esses são alguns exemplos da profunda transformação que não é conservadora, e sim revolucionária, pela
sua amplitude e profundidade. Até
onde chegará a cruzada em marcha é
difícil dizer. São ainda interrogações
os rumos da eleição do próximo ano,
ou a influência das críticas que começam a surgir, rompendo unanimidades. Mas o simples fato de que a cruzada esteja lançada, produzindo resultados "urbi et orbi", é suficiente para gerar fundadas inquietações.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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