São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2006

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Falta de gás

Incerteza no suprimento de combustível boliviano a termelétricas lança alerta, mas fantasma de apagão parece distante

O TÉRMINO do prazo para negociação de novos contratos de exploração de gás e petróleo pela Petrobras na Bolívia, amanhã, oferece oportunidade para reflexão sobre a política energética brasileira. Para além da óbvia necessidade de reduzir a dependência desse fornecedor de gás natural, diante da instabilidade cultivada por Evo Morales, é fundamental sinalizar que a energia não será mais um fator a desacelerar a economia.
Infundir tal confiança, por meio de um planejamento cuidadoso e transparente, constitui uma das principais tarefas do governo federal. Ela sofreu algum abalo em setembro, quando o Operador Nacional do Sistema (ONS) solicitou a operação de 11 usinas termelétricas e estas só entregaram um quinto da energia demandada. Faltou gás natural, como se previa havia meses no mercado, mas existem razões para crer que sobrou precipitação em estimativas de até 50% de risco de apagão já em 2008.
Os fatores preponderantes para cálculo de risco ao suprimento permanecem sendo o volume de chuvas e o nível dos reservatórios das hidrelétricas, responsáveis ainda por 85% da matriz energética nacional. Os restantes 15% são atendidos quase exclusivamente por termelétricas, entre as quais o gás natural ganhou preponderância como fonte energética a partir de 2003, superando os outros combustíveis (derivados de petróleo, carvão, urânio e biomassa). Apesar da importância crescente, parece duvidoso que uma falha previsível em seu fornecimento possa vir a ameaçar a estabilidade do sistema em menos de dois anos.
Ao menos, é isso que argumenta o Ministério de Minas e Energia (MME) em nota divulgada há três dias. Afirma-se ali que as dificuldades encontradas afetam 7% da oferta total disponível de energia, que elas estão sendo resolvidas e que os reservatórios das hidrelétricas exibem níveis seguros. O comunicado pondera que estão planejadas medidas para normalizar o suprimento às térmicas até 2011, como implantar novos gasodutos, mais que duplicar a produção nacional (para 70 milhões de metros cúbicos diários) e construir estações para gás natural liquefeito.
Ocorre que, somente para tais providências, o governo projeta investimentos de US$ 22 bilhões, de 2007 a 2011. Caso não se materializem, ou só parcialmente, cairá a confiança nessa reserva de segurança energética.
Há que ter em mente, além do mais, o contexto de planejamento energético para além das usinas a gás. No início de novembro, o Ibama deve realizar as audiências públicas para debate das polêmicas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira. As audiências são passos legalmente indispensáveis da liturgia de licenciamento ambiental, que não deve ser atropelada para sanar eventuais falhas de planejamento nem para aplacar o apetite por grandes projetos.
Isso para não mencionar a ressurrecta idéia de enfim construir a termelétrica nuclear de Angra-3, que conta com apoio crescente em setores do governo Lula. Nada como um fantasma do porte do apagão para conjurar outros espectros de volta à vida.


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