São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 2006

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JOÃO SAYAD

Milton Friedman

NA SALA , sentados no chão em semicírculo, um xiita e um sunita, rostos cobertos e metralhadoras, um judeu de barba, tranças e roupas do século 18, um encapuzado da Ku-klux-kan, um TFP de terno e crucifixo na lapela e um neoconservador americano. É uma palestra sobre tolerância.
Não participe! Contra o fundamentalismo, só existe uma alternativa -mais fundamentalismo. Se for debate apenas com pessoas de bom senso, também não vale a pena. A menos que você aceite fazer o papel de radical. A receita para bons debates é simples, mas desagradável: uma colher de sopa bem cheia de moderados e uma pitada de radicais ácidos com sabor marcante, que permanece na boca depois da degustação. Friedman morreu. Saudades da polêmica, da criatividade e do brilho.
Argumentou a favor do câmbio livre. Com câmbio fixo, o Banco Central age como especulador, comprando e vendendo dólares a um preço fixo, apostando que dá certo. Se a taxa fixada não equilibrar as contas externas e se desvalorizar de repente, os burocratas do BC não perdem dinheiro. Não tem incentivo para acertar. Só vaidade, o que não é pouco, mas não lhes custa nada. Com câmbio livre, os especuladores que erram perdem dinheiro e desaparecem. Os que acertam ganham dinheiro. Sobram no mercado apenas os bons especuladores que advinham a taxa cambial de equilíbrio. Brilhante.
Mas falso. Logo se demonstrou que maus especuladores podem ganhar muito dinheiro desestabilizando a taxa cambial. Portanto o câmbio flutuante pode ser tão instável quanto o fixo. Com a globalização financeira, a melhor solução é, de fato, o câmbio flutuante, pois o Banco Central é mau especulador. Taxas flutuantes é apenas o menor dos males (o prejuízo não é pago pelo Tesouro).
Defendeu o controle da quantidade de moeda para combater a inflação. Não definiu o que era moeda-poderia ser qualquer coisa que comprovasse a teoria. Foi um inovador em econometria que virou metodologia de guerra para vencer a discussão.
Sua contribuição é inestimável, assim como a de muitos discípulos ganhadores do Prêmio Nobel. Era um tempo em que os professores da Universidade de Chicago, ele à frente, discutiam economia dispostos a tudo para vencer.
Na era pós-moderna, o discurso é relativista, embora o poder pertença, como sempre, aos fundamentalistas. A economia sobrou como única área, além das religiões, a falar em "fundamentos".
Hoje, Friedman seria um estorvo, um fedayeen entre muitos fedayeen. Saudades do pensador brilhante e radical e do tempo em que os radicais faziam falta.

jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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