São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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Jornalistas coveiros

RUI NOGUEIRA

Brasília - Há momentos em que parecemos coveiros -da credibilidade do jornalismo. Dois exemplos: a cobertura da morte do último ditador do regime militar, o general João Baptista Figueiredo (79-85), e a doença e morte de Maria Rita, mulher do cantor Roberto Carlos. Nos dois casos, por motivos diferentes, o jornalismo diário, exercido sempre à beira da cova, deu um passo em frente e tombou.
Às voltas com um câncer, desde setembro de 98, a mulher de Roberto Carlos experimentou uma recuperação em meados deste ano. É aceitável e saudável que a família e os amigos comemorem. A imprensa foi além: chamou de "milagre" a recuperação, inventou o sumiço "inexplicável" de um câncer que continuava à espreita. E a onda de fé virou pauta.
Maria Rita não é notícia. Roberto Carlos, sim. Notícia era o câncer da mulher do Roberto Carlos, um carcinoma neuroendócrino, "um tipo de câncer raro e cujo tratamento ainda é empírico", nas palavras do oncologista Daniel Simon.
Desenhos e boas reportagens explicaram bem como o câncer matou, em semanas, o Leandro da dupla Leandro e Leonardo. Com Maria Rita, nem isso.
Com Figueiredo, o erro mais mais comum foi descrever a anistia como uma "concessão" do general. Logo ele, um homem sem índole democrática, que apenas cumpriu o roteiro predeterminado: a abertura de um regime que, sem milagre econômico e acossado pela mobilização social, não tinha outra saída senão abrir.
Deseducamos toda uma geração, que não lembra ou lembra mal daqueles tempos de grandes mobilizações -anistia, greves do ABC e Diretas-Já, para citar apenas três casos. Pelo jornalismo de sábado passado, as novas gerações saberão apenas que o ex-presidente era um sujeito bizarro, dado a pronunciar frases gozadas. Isso foi o de menos.
Melhor fez o "Jornal Nacional" (TV Globo), que foi ao arquivo buscar as imagens das mobilizações pró-anistia e Diretas-Já. Quando o jornal perde para a TV, algo vai mal.
Há erros para os quais não vejo indulgência à altura. E o erro do jornalismo fácil é sacrilégio.


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