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Jornalistas coveiros
RUI NOGUEIRA
Brasília - Há momentos em que parecemos coveiros -da credibilidade
do jornalismo. Dois exemplos: a cobertura da morte do último ditador
do regime militar, o general João Baptista Figueiredo (79-85), e a doença e
morte de Maria Rita, mulher do cantor Roberto Carlos. Nos dois casos, por
motivos diferentes, o jornalismo diário, exercido sempre à beira da cova,
deu um passo em frente e tombou.
Às voltas com um câncer, desde setembro de 98, a mulher de Roberto
Carlos experimentou uma recuperação em meados deste ano. É aceitável
e saudável que a família e os amigos
comemorem. A imprensa foi além:
chamou de "milagre" a recuperação,
inventou o sumiço "inexplicável" de
um câncer que continuava à espreita.
E a onda de fé virou pauta.
Maria Rita não é notícia. Roberto
Carlos, sim. Notícia era o câncer da
mulher do Roberto Carlos, um carcinoma neuroendócrino, "um tipo de
câncer raro e cujo tratamento ainda é
empírico", nas palavras do oncologista Daniel Simon.
Desenhos e boas reportagens explicaram bem como o câncer matou, em
semanas, o Leandro da dupla Leandro e Leonardo. Com Maria Rita,
nem isso.
Com Figueiredo, o erro mais mais
comum foi descrever a anistia como
uma "concessão" do general. Logo ele,
um homem sem índole democrática,
que apenas cumpriu o roteiro predeterminado: a abertura de um regime
que, sem milagre econômico e acossado pela mobilização social, não tinha
outra saída senão abrir.
Deseducamos toda uma geração,
que não lembra ou lembra mal daqueles tempos de grandes mobilizações -anistia, greves do ABC e Diretas-Já, para citar apenas três casos.
Pelo jornalismo de sábado passado, as
novas gerações saberão apenas que o
ex-presidente era um sujeito bizarro,
dado a pronunciar frases gozadas. Isso foi o de menos.
Melhor fez o "Jornal Nacional" (TV
Globo), que foi ao arquivo buscar as
imagens das mobilizações pró-anistia
e Diretas-Já. Quando o jornal perde
para a TV, algo vai mal.
Há erros para os quais não vejo indulgência à altura. E o erro do jornalismo fácil é sacrilégio.
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