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O ano termina bem
BORIS FAUSTO
O ano termina bem não só porque a
situação econômica é muito melhor
do que se poderia prever nos primeiros meses do ano, não só porque é
possível ser cautelosamente otimista
com relação ao quadro que se desenha
para os próximos meses, mas porque
ocorreram ações do poder público desencadeadas fora da esfera da economia incidindo, em alguns casos, na
área social.
O exemplo mais nítido foi o ato do
ministro de Política Fundiária, Raul
Jungmann, ao cancelar o cadastro no
Incra de mais de 3.000 propriedades, a
maioria delas sob forte suspeita de grilagem, abrangendo uma área equivalente a 11% do território nacional, 3,8
vezes o Estado de São Paulo. Em alguns casos, o levantamento que precedeu a medida constatou o registro de
imóveis inexistentes, com a conivência de cartórios, para servir de garantia
a empréstimos em condições especiais. As áreas que passarem ao domínio da União e dos Estados serão destinadas à reforma agrária e à preservação florestal.
A grilagem de terras é um problema
de dimensões históricas, datando seu
início do século 19, ao começar a estabelecer critérios para a formalização
legal da propriedade. Ao longo do século 20, o quadro se agravou, graças
sobretudo ao conluio entre grandes
empresas colonizadoras e governos
estaduais, prejudicando até as populações indígenas. Quando o parque do
Xingu foi constituído em 1961, sua
área era 10% da constante de um anteprojeto de 1952.
Alguns depoimentos prestados a
uma CPI sobre assuntos fundiários,
constituída no Congresso Nacional
em 1979, são reveladores. O ex-governador de Mato Grosso José Fragelli
declarou que os títulos de propriedade
naquele Estado eram "títulos de prancheta", fabricados em escritórios e
cartórios. Na mesma CPI, um ex-presidente da companhia de desenvolvimento de Mato Grosso afirmou, sem
rodeios, que "o grande grupo da picaretagem nacional da terra" fez o curso
superior no noroeste de São Paulo, na
Sorocabana e na Paulista, mestrado
no Paraná e doutoramento em Mato
Grosso.
Devemos reconhecer que um ou outro equivoco poderá ter ocorrido no
arrolamento das áreas sob suspeita.
Mas essa circunstância inevitável,
quando se empreendem ações de
grande envergadura, não pode servir
de cortina de fumaça para a perpetuação de um quadro vergonhoso.
Se a perda da propriedade não regularizada depende de decisão judicial, é
necessário evitar que a eventual garantia de direitos não passe de um instrumento a serviço da injustiça, ao se
ter em conta a morosidade do andamento dos processos e os expedientes
protelatórios de todo tipo.
Não é possível afirmar, antecipadamente, em que grau terá êxito a iniciativa desfechada pelo ministro Jungmann. Implementar medidas que enfrentam uma das mais graves feridas
da estrutura fundiária encontrará toda sorte de obstáculos.
Entretanto o simples fato de lançar
uma ação dessa natureza desperta esperanças e deveria fazer pensar aqueles que martelam na tecla do imobilismo governamental.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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