São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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O ano termina bem

BORIS FAUSTO

O ano termina bem não só porque a situação econômica é muito melhor do que se poderia prever nos primeiros meses do ano, não só porque é possível ser cautelosamente otimista com relação ao quadro que se desenha para os próximos meses, mas porque ocorreram ações do poder público desencadeadas fora da esfera da economia incidindo, em alguns casos, na área social.
O exemplo mais nítido foi o ato do ministro de Política Fundiária, Raul Jungmann, ao cancelar o cadastro no Incra de mais de 3.000 propriedades, a maioria delas sob forte suspeita de grilagem, abrangendo uma área equivalente a 11% do território nacional, 3,8 vezes o Estado de São Paulo. Em alguns casos, o levantamento que precedeu a medida constatou o registro de imóveis inexistentes, com a conivência de cartórios, para servir de garantia a empréstimos em condições especiais. As áreas que passarem ao domínio da União e dos Estados serão destinadas à reforma agrária e à preservação florestal.
A grilagem de terras é um problema de dimensões históricas, datando seu início do século 19, ao começar a estabelecer critérios para a formalização legal da propriedade. Ao longo do século 20, o quadro se agravou, graças sobretudo ao conluio entre grandes empresas colonizadoras e governos estaduais, prejudicando até as populações indígenas. Quando o parque do Xingu foi constituído em 1961, sua área era 10% da constante de um anteprojeto de 1952.
Alguns depoimentos prestados a uma CPI sobre assuntos fundiários, constituída no Congresso Nacional em 1979, são reveladores. O ex-governador de Mato Grosso José Fragelli declarou que os títulos de propriedade naquele Estado eram "títulos de prancheta", fabricados em escritórios e cartórios. Na mesma CPI, um ex-presidente da companhia de desenvolvimento de Mato Grosso afirmou, sem rodeios, que "o grande grupo da picaretagem nacional da terra" fez o curso superior no noroeste de São Paulo, na Sorocabana e na Paulista, mestrado no Paraná e doutoramento em Mato Grosso.
Devemos reconhecer que um ou outro equivoco poderá ter ocorrido no arrolamento das áreas sob suspeita. Mas essa circunstância inevitável, quando se empreendem ações de grande envergadura, não pode servir de cortina de fumaça para a perpetuação de um quadro vergonhoso.
Se a perda da propriedade não regularizada depende de decisão judicial, é necessário evitar que a eventual garantia de direitos não passe de um instrumento a serviço da injustiça, ao se ter em conta a morosidade do andamento dos processos e os expedientes protelatórios de todo tipo.
Não é possível afirmar, antecipadamente, em que grau terá êxito a iniciativa desfechada pelo ministro Jungmann. Implementar medidas que enfrentam uma das mais graves feridas da estrutura fundiária encontrará toda sorte de obstáculos.
Entretanto o simples fato de lançar uma ação dessa natureza desperta esperanças e deveria fazer pensar aqueles que martelam na tecla do imobilismo governamental.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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