São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCELO BERABA

Tortura em paz

RIO DE JANEIRO - A Polícia Federal ficou completamente desmoralizada ao não apontar os assassinos do auxiliar de cozinha Antônio Gonçalves de Abreu. Preso no dia 7 de setembro, ele foi torturado e morto dentro das dependências da própria PF do Rio. O inquérito policial confirma a tortura e o assassinato, mas não revela os autores dos crimes.
Num caso como esse, é impossível acreditar que tenha havido incompetência nas investigações, porque todos os fatos ocorreram na polícia e todos os protagonistas são policiais identificados. É um crime relativamente fácil de ser apurado. Prevaleceu, mais uma vez, o espírito de corpo alimentado pela certeza da impunidade.
A fleuma do superintendente regional da PF é impressionante. É como se a morte de um prisioneiro sob a guarda do governo só tivesse a ver com os carcereiros. No governo ditatorial do general Geisel, há quase 30 anos, o comandante do 2º Exército foi destituído depois das mortes do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho porque ficara comprovado que havia perdido o controle da carceragem.
Palavras do superintendente: "Há uma situação real e uma ideal. Temos de trabalhar com base em provas". Belíssima lição. Mas inútil, porque não explica como os seus pares não conseguiram transformar as evidências em provas.
Difícil saber o que é mais admirável no caso: se a "incompetência" dos policiais responsáveis pela apuração dos crimes ou a competência dos responsáveis pela sua ocultação.
É bom que a reação mais forte, desde o início do caso, esteja vindo do próprio governo FHC, por meio do Ministério da Justiça, que já reconheceu o crime e aprovou uma pensão para a família do morto, e do seu secretário de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, que condenou as conclusões indefensáveis da PF: "A investigação é patética".
Detalhe: a PF é subordinada ao Ministério da Justiça.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Em busca de um mundo multipolar
Próximo Texto: José Sarney: O mistério do ministério
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.