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IGOR GIELOW
Apocalípticos e integrados
BRASÍLIA - O maniqueísmo é um
traço perene da humanidade, fazendo companhia à compaixão e à
crueldade, por mais que seja açoitado por sistemas filosóficos aqui e
ali. De que adiantaram contra ele
todas as cabalas, os iluminismos, os
tratados alquímicos, toda uma Era
da Razão? Pouco, e ganhamos de
brinde bastardos desses movimentos, como o obscurantismo religioso e o materialismo histórico.
Com isso, avançamos a primeira
década do novo século montados
sobre os cadáveres que o "se não está comigo, é contra mim" nos legou.
Ou somos partidários da "guerra
ao terror", ou defendemos o multiculturalismo e a soberania dos povos. Só que a primeira posição pode
significar tanto a defesa de algum
dos melhores valores que o homem
concebeu quanto aplaudir Abu
Ghraib. E apoiar a segunda leva tanto à crença na diversidade do processo histórico quanto à elegia do
Taleban. O cinza não é bem-vindo
ao debate, e o que se vê é a redução
do mundo aos prós e contras.
A Europa federal é para uns um
polvo kafkiano emanando tentáculos burocráticos de Bruxelas para
cada instância da vida civil; para outros, um manancial de civilização
com euros suficientes para pagar os
eventuais estragos. Putin é o salvador da Rússia ou uma espécie de anticristo. A China, um monstro ou
um modelo. Os EUA, o império decadente ou o farol do mundo.
E o Brasil? Como grandes questões passam só de raspão por aqui,
nos contentamos com uma versão
comezinha do maniqueísmo: ou somos lulistas, ou não o somos. Ser leva a acreditar que "nunca antes na
história deste país" estivemos tão
bem. Não ser significa negação sistemática de eventuais méritos. Lula
ou é visto como um parvo, ou como
"nosso guia".
Tentar achar o meio-termo, que
costuma ser a medida ideal, é um
esforço quase inútil. O consolo residual é que miséria gosta de companhia: não estamos sós.
igielow@folhasp.com.br
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