|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A previdência e a produtividade
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Um minucioso estudo elaborado
por J. Oeppen e J. Vaupel, da Universidade de Cambridge (Inglaterra) e
do Instituto Max Planck de Pesquisas
Demográficas (Alemanha), respectivamente, e publicado, em 10/5/02, na prestigiosa revista "Science" derrotou uma
crença que está na base de muitas das
instituições formais e culturais que regulam a vida moderna na sociedade.
Essa convicção, que perpassa todas as
instituições de importância para a humanidade, é a de que, embora atualmente crescente, a expectativa de vida
do Homo sapiens alcançará, cedo ou
tarde, um limite, como tudo na vida.
Pois bem, o trabalho acima mencionado mostra que não há razões concretas para tal crença. Muito pelo contrário, tudo indica que a expectativa de vida pode continuar crescendo indefinidamente. Durante muito tempo essa
conclusão iludiu a percepção de demógrafos, porque a primazia na expectativa de vida flutuava de um país para outro, embora voltasse, por vezes, para um
mesmo povo.
Desde 1840 a expectativa de vida da
mulher vem crescendo, para o país que
está na primeira colocação no momento considerado, a uma taxa de três meses por ano. A do homem também vem
crescendo continuamente, mas a um
ritmo um pouco menor. Aqui, chegamos a uma primeira conclusão, um
pouco incômoda. Cedo ou tarde a população de mulheres será o dobro da
masculina. Elas comandarão, com isso,
a sociedade. Em compensação, para cada mancebo haverá duas velhinhas. Vai
por terra, portanto, uma primeira instituição: a monogamia.
Argumentos de natureza biológica,
entretanto, permitem estimar que haveria um limite final de 120 anos para a expectativa de vida humana, o que seria
atingido em 160 anos, de acordo com as
previsões de Oeppen e Vaupel. Não obstante também é possível que novos desenvolvimentos tecnológicos venham a
remover esses constrangimentos de natureza biológica.
Uma das instituições que será imediatamente afetada será o sistema previdenciário, que terá de ser reformulado
para responder a esta condição, o que
significa que deverá ter uma grande flexibilidade. O tempo de duração do trabalho efetivo deverá crescer continuamente se o princípio de que o trabalho
de hoje deve sustentar o aposentado de
amanhã for mantido. Neste caso, o do
aumento contínuo do período de trabalho ativo, bastaria elaborar um algoritmo elementar, algébrico. A única alternativa seria aumentar continuamente a
contribuição pevidenciária. Entretanto
esta última opção se tornaria insuportável muito cedo.
É claro que resta ainda uma solução
como a que Swift propôs para a população infantil da Irlanda, a gastronômica,
o que poderia se tornar uma contribuição ao programa Fome Zero. Um período fixo de aposentadoria e, então, uma
solução higiênica seria tomada.
Todavia um outro fenômeno, ainda
mais severo, catastrófico quase, já começa a prevalecer.
Comecemos com um exemplo simples, porém assustador. Recentemente,
não mais que há 20 anos, chegaram ao
Brasil os primeiros robôs, chamados
"pick-and-place", para a nossa incipiente indústria eletrônica. Hoje uma
máquina moderna desse tipo, operada
por um único trabalhador, substitui pelo menos uma centena de operários. Ou
seja, houve um aumento de produtividade de um fator de cem em 20 anos.
Argumentar-se-á que este é um segmento pouco expressivo de um único
setor industrial. Pois bem, a tabela nesta
página demonstra que este é um fenômeno absolutamente geral. Nela estão
incluídos países em vários estágios de
desenvolvimento. E podemos considerar esses exemplos atuais como uma
aproximação aceitável do desdobramento histórico típico para os países,
embora condições políticas, acesso a
tecnologias etc. estejam em evolução.
Nenhum país desenvolvido mantém uma parcela significativa de sua força de trabalho na agricultura
|
Observamos, por exemplo, que os
EUA mantêm na agricultura cerca de
2,4% de sua força de trabalho e que a
produtividade é de US$ 39 mil por trabalhador; e o Brasil, por outro lado, tem
22,3% de sua força de trabalho nesse
mesmo setor, com uma produtividade
de apenas US$ 1.500 por trabalhador.
A reforma agrária não pode ser considerada, portanto, senão como uma solução assistencial temporária. Nenhum
país desenvolvido mantém uma parcela
significativa de sua força de trabalho na
agricultura. São constrangimentos culturais ou políticos que mantêm percentuais dessa força relativamente elevados
em países como Japão, Itália e França
-percentuais estes que certamente se
dissiparão em uma ou duas gerações.
O que também se pode depreender do
quadro acima é que a evolução tecnológica inicialmente libera mão-de-obra
do setor agrícola, que é absorvida pelo
setor manufatureiro -que em seguida
a libera, por força do aumento de produtividade, para outros setores, tais como de comércio, de serviços, financeiro
etc. Por outro lado, esses setores, também em sua maioria, começam, com os
avanços tecnológicos em comunicações, informática, logística, matemática
aplicada etc., a aumentar suas respectivas produtividades.
Muitos países responderam a esse
permanente aumento de produtividade, até o presente, com a redução da jornada de trabalho. Mas esta proposta teria consequências adversas para o Brasil, cujos índices de produtividade são
em todos os setores muito inferiores aos
dos países mais desenvolvidos, inclusive alguns de seus concorrentes comerciais imediatos, como Canadá, Austrália
e Argentina.
Como poderíamos, pois, conciliar o
aumento de expectativa de vida com
um inelutável aumento de produtividade e, simultaneamente, assegurar ao cidadão uma vida digna até a sua morte?
Para resolver esse problema, qualquer
que seja a solução que venha o Brasil a
adotar, dois ingredientes são imprescindíveis: vontade política e muita tecnologia, sem as quais não há como aumentar a produtividade e, consequentemente, a riqueza do país.
A proposta recentemente apresentada
por sindicatos ao governo Lula, pela
qual empresas contribuiriam para a
Previdência de acordo com seus faturamentos, é muito atraente do ponto de
vista social e seria aceitável em um país e
em um mundo socialistas. Todavia essa
solução penaliza as empresas mais produtivas em benefício das menos eficientes. Em um país de economia capitalista
e em um mundo globalizado, seria suicídio. Qualquer que seja a solução para
a previdência, ela não pode contrariar a
busca incessante de aumento de produtividade da empresa nacional.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 71, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do
Conselho Editorial da Folha.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Alberto Goldman: Uma carta de boas intenções
Índice
|