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TENDÊNCIAS/DEBATES
NÃO
Indo para o espaço
ROBERTO AMARAL
FAZ ALGUM tempo, vi ilustre
cientista brasileiro descrever,
com orgulho profissional, como
conseguira atrasar, em dois anos, o
início das obras das hidrelétricas do
rio Madeira. A explicação era técnica:
as obras da barragem inverteriam o
curso habitual dos bagres e isso poderia prejudicar a reprodução daqueles
peixes peruano-amazônicos. Hoje,
assisto, estarrecido, a situação semelhante em Alcântara, no Maranhão.
É indiscutível a importância de um
programa espacial para o Brasil, que
tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados de área, litoral de cerca de
10 mil quilômetros, fronteiras com
nove países independentes e a Guiana
Francesa e população de cerca de
200 milhões de habitantes.
Não me estou referindo a justas
questões de segurança nacional,
"stricto sensu", mas, para além delas,
à segurança de nosso espaço aéreo e
de nossa aviação comercial, ao monitoramento ambiental de nosso território e às telecomunicações em geral.
Desde os anos 60 do século passado, o Brasil vem, com a inconstância
típica com a qual nossos governos
cuidam das questões estratégicas,
tentando montar seu programa espacial, que se constitui de três elementos insubstituíveis: base de lançamento, foguete lançador e satélite.
Naqueles anos, tratava-se de iniciativa pioneira, pois, depois da ex-União Soviética e dos Estados Unidos, éramos dos primeiros a tentar
explorar o espaço, antevendo a importância que, nas décadas seguintes
e neste século, alcançariam as telecomunicações. Hoje, fomos ultrapassados pela Coreia, pela Índia, por Israel,
pela China e, mais recentemente, pelo Irã. Nos anos 1980, estávamos à
frente de todos esses países. Quem
responderá perante as gerações futuras por esse crime?
Aos obstáculos, a alternativa parecia ser a ACS (Alcântara Cyclone Space), empresa binacional resultante de
tratado firmado entre o Brasil e a
Ucrânia. Um salutar encontro de interesses. A Ucrânia possui uma das
mais testadas linhas de foguete, o
Cyclone, mas não possui bases de lançamento. Nós não possuímos tecnologia nem de fabricação de foguetes
nem de plataforma de lançamento.
Entraríamos com nosso sítio. Seria
na península de Alcântara, onde já se
encontra o CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), a 2,2 graus do
Equador, o que nos possibilita, em face dos concorrentes, maior capacidade de lançar para órbitas equatoriais.
Pois é exatamente essa vantagem
que nos querem tomar.
A área anteriormente destinada à
ACS foi perdida pela ação de "representantes" de comunidades quilombolas que bloquearam, em fevereiro
de 2008, o acesso de nossos técnicos
ao sítio, ao qual viemos a renunciar
nos autos de ação corrente na Justiça
Federal maranhense. Graças à cooperação do Ministério da Defesa, novo
sítio foi concedido, desta feita dentro
dos limites do CLA, exatamente por
ser esta uma área não questionada.
Mas, para nela operarmos, o Ibama
nos exige a realização de pesquisas
em área quilombola, trabalho que,
desde novembro passado, nos é impedido por "líderes" locais. Não temos
nenhuma sorte de conflito com quilombolas. Queremos, apenas, que nos
deixem trabalhar dentro do CLA.
Estamos parados há mais de um
ano. Não é possível recuperar o tempo perdido. Quem pagará a conta de
nosso atraso? Somente em fluxo de
caixa, o Brasil deixa de ganhar US$
300 milhões por ano de atraso.
A
quem interessa o atraso? Decerto não
interessa à ACS, ao Brasil e às comunidades quilombolas de Alcântara,
que vivem do extrativismo e da agricultura de subsistência, mantidas criminosamente longe da civilização.
Talvez interesse às chamadas "lideranças" das comunidades, aos advogados do "museu antropológico" e aos
agentes financiadores internacionais.
Finalmente, todo o esforço de instalação de um programa espacial
completo no Brasil foi destruído pela
decisão de burocratas do Incra. A destinação de 781 km2 da península para
o "Território da Comunidade Quilombola de Alcântara" reduziu o espaço para atividades espaciais brasileiras ao atual CLA, impossibilitado
de crescer para cumprir novas missões.
Isso torna inútil uma localização privilegiada e condena o Brasil a
conviver com sérias vulnerabilidades
estratégicas e de defesa nacional.
De quem é a responsabilidade?
ROBERTO AMARAL , 68, advogado e cientista político, é
diretor-geral brasileiro da Alcântara Cyclone Space. Foi
ministro da Ciência e Tecnologia (2003-2004).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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