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Aborto e crime
Informação e distribuição de contraceptivos são falhas; também faltam campanhas em favor da sexualidade responsável
DENTRO OU fora da lei, o
aborto induzido é uma
realidade. No Brasil,
estima-se que, a cada
ano, até 1 milhão de mulheres interrompam clandestinamente a
gravidez. As péssimas condições
em que normalmente o fazem
são responsáveis por um número
não desprezível de óbitos e seqüelas à saúde reprodutiva.
Nenhuma delas o faz por prazer mórbido. O aborto só ocorre
porque é o único remédio contra
a gravidez indesejada. Assim,
quer sejamos favoráveis ou contrários à descriminalização do
procedimento, a melhor forma
de combatê-lo é instruindo a população sobre como evitar filhos
e oferecendo-lhe meios contraceptivos adequados. Estamos
fracassando em ambos.
Estudo do Centro de Pesquisas
em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp) publicado em
novembro de 2006 revela um
quadro desolador, tanto na gestão dos recursos investidos em
planejamento familiar como na
qualidade dos serviços.
Nas etapas iniciais, até que o
sistema funciona. Só 4% das quase 500 Secretarias Municipais de
Saúde (SMSs) pesquisadas não
receberam nenhum método anticoncepcional do Ministério da
Saúde; 66% declararam ter recebido o kit básico (pílula, minipílula e camisinha) completo.
Por graves falhas de gestão, entretanto, os produtos não chegam à ponta final. A proporção
de Unidades Básicas de Saúde
(UBSs) que nada recebeu chega a
17%; apenas 28% delas tiveram
acesso ao kit completo.
A situação fica ainda pior
quando se consideram métodos
de aplicação um pouco mais
complexa. Embora 93% das
SMSs tenham recebido o kit
complementar, que inclui DIU e
hormônio injetável, essas opções
chegaram a apenas 8% das UBSs.
Os pesquisadores constataram
ainda problemas na regularidade
do fornecimento e na oferta de
opções. Conclusão inescapável: o
sistema não é capaz de usar aquilo de que já dispõe.
O panorama tampouco é bom
no quesito educação. Faltam
campanhas de prevenção da gravidez precoce. Muitos diretores
de escola resistem a admitir a temática da educação sexual. Além
disso, as UBSs não estão aparelhadas para fornecer esse tipo de
informação. O quadro é especialmente preocupante no que diz
respeito a adolescentes. São poucas as que procuram as UBSs antes de engravidar. Quando o fazem, há médicos que exigem a
presença dos pais para passar-lhes um método anticoncepcional. É como se o sistema tivesse
sido desenhado para dar errado.
Enfrentar esse problema vai
exigir não apenas melhorias na
gestão do SUS como também
uma profunda mudança de mentalidade. Com efeito, políticos,
administradores, educadores e
médicos ainda relutam em dar
ao planejamento familiar a importância que merece. Muito por
influência da Igreja Católica -a
qual, por motivos que transcendem à razão humana, não quer o
aborto, mas também não admite
nenhum método contraceptivo
eficiente-, esse tema vem sendo
relegado há décadas.
Tal omissão coletiva é um verdadeiro crime que se comete. De
um lado, contribui para uma sexualidade pouco responsável. De
outro, nada de prático acarreta
para evitar mortes e sofrimento
desnecessários.
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