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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma outra globalização é possível?
LISZT VIEIRA
Os atentados de 11 de setembro
nos EUA provocaram tamanho
impacto que muitos passaram a considerar essa data o início do século 21.
Mas nem todos perceberam que os impactos foram diferenciados. Os governos, em sua grande maioria, se alinharam ao estado de guerra anunciado pelos EUA para efeito de retaliação militar
e promoção de seus interesses estratégicos na Ásia Central. Quanto aos mercados, recuperaram pouco depois sua
"normalidade" e continuaram impondo sua lógica estritamente financeira de
tratar o mundo como mercadoria.
Já a sociedade civil foi atingida de forma diferente. O movimento de construção da cidadania global mediante a resistência e o enfrentamento da globalização econômica praticamente paralisou suas atividades após 11 de setembro.
As redes mundiais da sociedade civil,
que se fortaleceram extraordinariamente na última década, começaram a adquirir maior visibilidade com as manifestações de protesto iniciadas em dezembro de 1999, por ocasião da reunião
da OMC em Seattle, nos EUA. Daí em
diante, todas as reuniões dos países industrializados enfrentaram os protestos
dos excluídos da globalização autoritária, que promove a integração dos mercados desintegrando as relações políticas e sociais nos Estados nacionais.
Nos últimos 20 anos, uma crescente
concentração de riqueza em escala
mundial aprofundou a distância entre
países ricos e pobres e levou ao aumento da pobreza e da miséria no mundo, à
generalização de conflitos armados e à
destruição e à apropriação de recursos
naturais em benefício de empresas
transnacionais. O processo de globalização em curso vem enfraquecendo o
Estado nacional. Fenômenos e processos econômicos, sociais, culturais, ambientais -entre outros- tornaram-se
imediatamente globais, ignorando os
atributos básicos do Estado-nação: território, soberania e autonomia.
Mas o aumento do desemprego, a exclusão social, a degradação ambiental, o
desrespeito à diversidade cultural não
são mais aceitos passivamente pelos cidadãos do mundo, hoje conectados em
redes e congregados em associações
atuantes no movimento mundial.
A luta permanente desses atores não-estatais pela democracia, proteção ambiental e diversidade cultural levou-os a
formar redes mundiais de resistência à
globalização econômica, constituindo,
nesse processo, importante referência
da luta pela democratização da política
mundial. E também uma saída para o
impasse entre a esquerda tradicional,
que olha a globalização apenas como
eufemismo para o imperialismo norte-americano, e uma nova direita, que
abandonou a retórica do interesse nacional para se integrar de forma subordinada ao mercado mundial.
Para enfrentar a globalização, a sociedade civil também se globaliza. Trata-se
aqui de uma globalização democrática,
a partir de baixo, mostrando ao mundo
que uma outra globalização é possível,
baseada nos direitos humanos, na democracia, na paz, na solidariedade. Este
é o sentido das propostas encaminhadas pelas ONGs na ONU e outros organismos, dos protestos nas ruas de Seattle, Washington, Montreal, Genebra,
Praga, Nice, Gênova, passando pelo Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
Nesses eventos, a sociedade civil apresentou propostas alternativas à (des) ordem social internacional imposta pelos
países dominantes.
Para enfrentar a globalização, a sociedade civil também se globaliza. Trata-se aqui de uma globalização democrática
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Todo esse processo foi bruscamente
interrompido em 11 de setembro. O
mundo ficou atônito com os atentados e
com a reação norte-americana de declarar o estado de guerra e restringir -até
mesmo suprimir- direitos civis e liberdades democráticas dentro dos EUA.
Reapareceu a política direitista do "big
stick" e do macartismo -e com ela a visão estadocêntrica que nega o espaço
público democrático.
O movimento mundial de cidadãos
foi obrigado a recuar. Somente agora retoma fôlego e volta a denunciar a falência das instituições financeiras internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e
a OMC. A Argentina, que aplicou à risca
a cartilha neoliberal, é o mais recente e
trágico exemplo da asfixia econômica
provocada pela política do FMI.
Enquanto os países do sul elegeram a
ONU como o parlamento político mundial, os países industrializados preferem
suas instituições multilaterais.
A política unilateral isolacionista e arrogante do governo Bush é simultaneamente causa e efeito do reforço do complexo industrial-militar, que parecia relegado a segundo plano desde o fim da
Guerra Fria. A desarticulação do Mercosul e a tentativa de imposição da Alca
constitui vigoroso passo na política de
balcanização da América Latina e subordinação de seus países aos interesses
dos EUA.
Caberá agora às organizações e redes
dar continuidade aos debates com vistas à construção de uma agenda contemplando propostas concretas de uma
globalização democrática, que coloque
os direitos e necessidades dos povos acima dos interesses do mercado.
Liszt Benjamin Vieira, doutor em sociologia,
professor da PUC-RJ, é secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado
do Rio de Janeiro.
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