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São Paulo, quarta-feira, 28 de maio de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Horizonte curto

Há um óbvio exagero quando o Banco Central afirma, diante da melhoria da situação financeira do país, que "isso prova que a política monetária está funcionando". Certamente a política monetária do governo Lula foi muito importante para a redução das expectativas inflacionárias que haviam crescido no terceiro e quarto trimestres de 2002 graças:
1º) ao terrorismo eleitoral promovido pelo próprio governo FHC na tentativa de eleger o seu candidato, sugerindo que o país poderia transformar-se numa Argentina;
2º) ao descuido do Banco Central com a expansão monetária e o atraso no ajustamento do juro real diante do aumento da expectativa inflacionária no processo eleitoral e
3º) ao aumento da taxa de câmbio real diante de nossa vulnerabilidade externa e do necessário ajuste do balanço em conta corrente às disponibilidades da conta-capital (que enxugou no quarto trimestre).
A situação financeira melhorou graças:
1º) ao novo governo ter feito exatamente o que prometeu no processo eleitoral: respeito aos contratos e política fiscal absolutamente austera, aumentando o superávit primário para manter sob controle a relação dívida líquida/PIB;
2º) ao novo governo não ter tentado nenhuma novidade com relação à política monetária e ter tido a disposição de aumentar a taxa de juros Selic duas vezes desde a posse e
3º) ao fato de ter mantido uma alta taxa de juro real, que abriu uma janela de arbitragem para o capital de curto prazo, que ajudou a valorizar o real, mas não alterou a condição de vulnerabilidade do país.
Não se pode, entretanto, dizer o mesmo com relação à economia real, como é evidente pelo aumento do desemprego. É um equívoco atribuir toda a valorização do real à política monetária, como mostra o comportamento de quase todas as outras moedas que se referenciam ao dólar americano. Muitos países assistiram recentemente à valorização de suas moedas sem que tenham tido a necessidade de aumentar seu juro real ou recepcionar o capital da "morte súbita"! É esse "co-movimento" entre a taxa de câmbio do dólar americano e a taxa de câmbio real/dólar que recomendaria, num sistema de metas inflacionárias, uma redução da taxa de juro porque: 1º) a pressão do câmbio sobre os preços dos bens transacionáveis diminuiu e 2º) poder-se-ia reduzir a pressão sobre a demanda dos bens não-transacionáveis, mantendo a mesma meta.
Nosso problema é que a meta intermediária de inflação para dezembro de 2003 foi fixada de maneira muito ambiciosa e para um horizonte de tempo muito curto, o que exige (a despeito da queda do câmbio) ampliar a restrição de demanda sobre os bens não-transacionáveis.
Perdemos uma oportunidade de dar início a um movimento sinalizador da mudança do enfoque financeiro para o enfoque real. Talvez possamos reavê-la em junho, se a política americana do dólar fraco prevalecer...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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