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ANTONIO DELFIM NETTO
Horizonte curto
Há um óbvio exagero quando o
Banco Central afirma, diante da
melhoria da situação financeira do
país, que "isso prova que a política
monetária está funcionando". Certamente a política monetária do governo Lula foi muito importante para a
redução das expectativas inflacionárias que haviam crescido no terceiro e
quarto trimestres de 2002 graças:
1º) ao terrorismo eleitoral promovido pelo próprio governo FHC na tentativa de eleger o seu candidato, sugerindo que o país poderia transformar-se numa Argentina;
2º) ao descuido do Banco Central
com a expansão monetária e o atraso
no ajustamento do juro real diante do
aumento da expectativa inflacionária
no processo eleitoral e
3º) ao aumento da taxa de câmbio
real diante de nossa vulnerabilidade
externa e do necessário ajuste do balanço em conta corrente às disponibilidades da conta-capital (que enxugou
no quarto trimestre).
A situação financeira melhorou graças:
1º) ao novo governo ter feito exatamente o que prometeu no processo
eleitoral: respeito aos contratos e política fiscal absolutamente austera, aumentando o superávit primário para
manter sob controle a relação dívida
líquida/PIB;
2º) ao novo governo não ter tentado
nenhuma novidade com relação à política monetária e ter tido a disposição
de aumentar a taxa de juros Selic duas
vezes desde a posse e
3º) ao fato de ter mantido uma alta
taxa de juro real, que abriu uma janela
de arbitragem para o capital de curto
prazo, que ajudou a valorizar o real,
mas não alterou a condição de vulnerabilidade do país.
Não se pode, entretanto, dizer o
mesmo com relação à economia real,
como é evidente pelo aumento do desemprego. É um equívoco atribuir toda a valorização do real à política monetária, como mostra o comportamento de quase todas as outras moedas que se referenciam ao dólar americano. Muitos países assistiram recentemente à valorização de suas
moedas sem que tenham tido a necessidade de aumentar seu juro real ou
recepcionar o capital da "morte súbita"! É esse "co-movimento" entre a taxa de câmbio do dólar americano e a
taxa de câmbio real/dólar que recomendaria, num sistema de metas inflacionárias, uma redução da taxa de
juro porque: 1º) a pressão do câmbio
sobre os preços dos bens transacionáveis diminuiu e 2º) poder-se-ia reduzir a pressão sobre a demanda dos
bens não-transacionáveis, mantendo
a mesma meta.
Nosso problema é que a meta intermediária de inflação para dezembro
de 2003 foi fixada de maneira muito
ambiciosa e para um horizonte de
tempo muito curto, o que exige (a despeito da queda do câmbio) ampliar a
restrição de demanda sobre os bens
não-transacionáveis.
Perdemos uma oportunidade de dar
início a um movimento sinalizador da
mudança do enfoque financeiro para
o enfoque real. Talvez possamos reavê-la em junho, se a política americana do dólar fraco prevalecer...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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