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CARLOS HEITOR CONY
O ovo e a galinha
RIO DE JANEIRO - Há muito não assistia aos programas da TV Câmara,
metade por falta de tempo, metade
por falta de interesse. Eis que, semana passada, procurando alguma coisa que eu nem sabia o quê, peguei um
duro bate-boca entre dois senhores
deputados.
Estavam exaltados, brandiam o dedo indicador um na cara do outro,
na base dos insultos comuns às refregas parlamentares, sem-vergonha,
mentiroso, traidor, sem-caráter, filho
disso e daquilo.
Pensei que fossem dois adversários,
representantes de duas facções antagônicas, cujos representantes vinham
a plenário pintados de guerra. Algo
parecido com a rivalidade ideológica
da antiga Arena e do antigo MDB ou,
para ir mais longe, da UDN e do PTB
dos tempos que antecederam o movimento militar de 1964.
Nada disso. Eram dois valentes deputados do PT, que se desentendiam
publicamente por diversos motivos,
entre os quais a reforma da Previdência e os rumos que o partido de ambos está tomando. Se a briga chega a
esse ponto, com a roupa suja lavada
fora do tanque partidário, diante dos
senhores representantes do povo e da
mídia, é fácil imaginar o que não se
passa dentro da cidadela petista, que
cultiva o sadio hábito de democraticamente discutir tudo e abrigar tendências conflitantes.
Apanhado de surpresa, fiquei sem
saber quem tinha razão e, para ser
sincero, nenhum dos dois estava interessado em esclarecer o telespectador
distraído e eventual eleitor que sou
eu. Xingavam-se "ex officio", por gravidade, dando de lambujem que todos deviam saber por que estavam
brigando. Guardadas as proporções,
era como se um afirmasse que a galinha nasceu antes do ovo e outro jurasse que o ovo vinha primeiro. Como conciliar tamanha desavença?
Antes de mudar o canal, consultei
minha consciência cívica, que não é
lá essas coisas, e concluí que os dois
tinham razão.
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