São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Responsabilidade
DENIS LERRER ROSENFIELD
As elites, na verdade, estão muito contentes com o seu governo, desde que a política macroeconômica seja salvaguardada. Querer, por exemplo, apresentar os bancos como os mais interessados em sua eventual derrocada não resiste à menor prova empírica, pois esse setor da economia foi um dos mais beneficiados por sua política. Que o presidente tenha sido preservado não significa que não seja responsável pela corrupção vigente, com todos os indícios de formação de uma quadrilha que teria se apossado dos fundos públicos e do aparelho do Estado via distribuição de cargos ao PT e seus aliados. O descolamento do presidente em relação ao governo e ao seu partido, revelado pelas pesquisas de opinião, expressa os interesses das "elites" por ele tão criticadas. Se elas tivessem colado a sua figura aos escândalos de seu partido, o resultado teria sido certamente outro. Elas temem um processo de impeachment, pois este poderia se traduzir pela descontinuidade da política macroeconômica, com o vice-presidente assumindo em seu lugar. Ou seja, as "elites" não querem na Presidência um empresário que alteraria a política macroeconômica. Elas preferem um ex-sindicalista que responda aos seus interesses. No entanto, a imprensa e os meios de comunicação são livres em nosso país e competem entre si. Todo o processo em curso tem sua origem na liberdade de imprensa e de expressão, que o atual governo não conseguiu silenciar mediante o projeto do Conselho Federal de Jornalismo, da Ancinav e das leis da mordaça para o Ministério Público e para o funcionalismo público. Isso significa que o processo político é incontrolável, chegando cada vez mais perto do Palácio do Planalto. As manifestações reiteradas de que o presidente não está imiscuído nas ações de seus "companheiros" não resistem à menor análise dos fatos, pois ele foi advertido do que se passava pelo governador de Goiás e pelo deputado Roberto Jefferson. O ex-ministro José Dirceu chegou a dizer que nada teria sido feito à sua revelia. Ou ainda, citando o ex-secretário-geral do PT, Silvinho Pereira: "Agimos em nome do PT". E se o presidente nada fez, ele é responsável por omissão e por conivência. Nada do que está acontecendo teria ocorrido se a impunidade não tivesse imperado. O assassinato de Celso Daniel, com a série de assassinatos posteriores, mostrando o mesmo esquema de corrupção entre o PT, o governo e as empresas, foi abafado pelas autoridades partidárias e teria caído no esquecimento não fosse a atuação do Ministério Público paulista. O mesmo aconteceu com Waldomiro Diniz, logo "inocentado" pelo partido, pelo governo e pelas instâncias encarregadas de sua investigação.Uma ação eficaz naquele momento teria mostrado que há limites para a malversação dos recursos públicos. Nada foi feito, senão jantares de desagravo e manifestações estridentes, como se o PT fosse alheio a tudo isso, pois era o partido da ética na política. Como não houve punição, esse setor partidário acreditou que os recursos públicos eram seus. A onipotência deixou rastros. E os rastros que levam ao Palácio do Planalto são tão fortes que o presidente Lula se viu forçado a fazer uma reforma ministerial. E não a fez para afastar eventuais implicados na corrupção, mas para aumentar a sua blindagem. Na verdade, essa reforma deveria ser chamada de antiimpeachment. Só essa preocupação explica que, em relação ao PMDB, o governo tenha vindo a pagar mais pelo mesmo. A sua base de apoio não aumentou, mas o seu pagamento sim, com o aumento de ministérios e cargos ofertados a esse partido. O mesmo se pode dizer do PP, que chega ao ministério pela força do presidente da Câmara, capaz de retardar, por sua posição, um eventual processo de impeachment. O presidente só pensa em si, em se proteger, humilhando, por exemplo, um "companheiro" como o ex-ministro Olívio Dutra. Se o presidente fosse ético, renunciaria, mostrando à nação que não tem nada a ver com isso. Por muito menos, Getúlio se suicidou e entrou definitivamente na história brasileira. A dignidade de sua biografia pessoal exigiria um ato moral que preservasse a sua própria história em vez de caucionar as versões inverossímeis de Delúbio Soares e Silvio Pereira a partir de uma estranhíssima entrevista "concedida" em Paris. Se ele se colou ainda mais à corrupção petista, ele se tornou ainda mais responsável pelo descalabro existente. Permanecer no poder e evitar a todo custo o impeachment será apenas um ato a mais de indignidade. Pode o impeachment não ocorrer, pois as "elites" assim o querem. Ele se tornará, no entanto, refém de uma situação que não mais controlará. Poderá ele ainda manter a sua popularidade se o cada vez mais difícil "descolamento" for mantido, vindo mesmo a ser reeleito, mas com uma pequena base parlamentar petista. Será, então, candidato a rainha da Inglaterra. A sua responsabilidade moral e a política não serão, porém, minimamente menores. E é disso que se trata. Denis Lerrer Rosenfield, 54, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e editor da revista "Filosofia Política". É autor de "Política e Liberdade em Hegel" (Ática, 1995), entre outros livros. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Helvécio Luiz Reis: Otto na memória de São João del-Rei Índice |
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