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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Contra a palmada
SÃO PAULO - "Tomei poucas palmadas e foram bem dadas. Na hora,
senti que era um castigo. Agora só
tenho razões para dizer quão certa
minha mãe estava". Quem fala aqui
é José Gregori, 80 anos, figura pública ligada à defesa dos direitos
humanos. Veja agora o que disse,
também na Folha, o jogador William, 33 anos, capitão do Corinthians: "Levei palmada e apanhei
com vara de árvore. Me ajudou a saber os limites. Se a lei proíbe qualquer tipo de contato físico, as crianças podem crescer sem limites".
Seria obviamente absurdo imaginar a fala de William na boca de
Gregori. Ele não acharia nada "pedagógico" apanhar "com vara de
árvore". E, no entanto, ambos agradecem a educação que tiveram,
apesar (ou por causa) das "palmadas bem dadas" que levaram. Estão
e não estão falando a mesma coisa.
E estão, ambos, em sintonia com
54% da população, contra a mudança no Estatuto da Criança e do
Adolescente, que detalha o veto ao
"uso de castigos corporais ou de
tratamento cruel e degradante".
A maioria das pessoas distingue
entre a palmada eventual e o mau
trato às crianças. Tende-se a tolerar
a primeira e a condenar o segundo.
É sempre útil não confundir um puxão de orelha e um espancamento.
Mas, desde que se aceite o recurso à
força física, quais os limites entre o
"gesto educativo" e a "violência"
na relação com os filhos? A intensidade? A frequência? A intenção? Os
depoimentos acima indicam como
pode ser movediça essa fronteira.
Há ainda quem advogue que o
Estado não deva se imiscuir na esfera familiar nem estabelecer parâmetros à ação dos pais. Pelo mesmo
raciocínio, deveríamos rasgar a Lei
Maria da Penha ou jogar no lixo o
estatuto que protege os idosos.
Diante das agressões dentro de
casa de que são vítimas as crianças,
o elogio da "palmadinha" soa muito mal. Como escreveu a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, a
lei só pretende que se deixe de considerar "normal, necessário ou saudável "educar" com violência".
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