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ANTONIO DELFIM NETTO
Ilusão dos direitos
Por hipótese (na minha opinião, razoavelmente correta) a
Constituição de 1988 revelou
claramente a preferência da
sociedade brasileira por uma
organização "democrática
destinada a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça", como
está explícito em seu preâmbulo. Ela incorpora algumas
dificuldades. Por exemplo, a
educação é "direito de todos e
dever do Estado" (art. 205).
Exatamente da mesma forma que, durante anos, os ônibus em São Paulo traziam impresso em letras garrafais o
slogan "transporte, direito do
povo e dever do Estado". Direito que o "povo" nunca viu e o
Estado nunca cumpriu...
Tais desejos são generosos,
mas devem ser entendidos como objetivos a serem perseguidos. Ninguém pode ser
contra tornar a educação, a
saúde, a aposentadoria "direito de todos e dever do Estado".
Mas ninguém pode supor,
por outro lado, que esse conjunto de "direitos" está assegurado apenas porque se afirma que eles são um "dever do
Estado"! Para atendê-los são
necessários recursos físicos
(não sua expressão monetária). Ora, o Estado não produz
qualquer recurso.
Para atender às suas tarefas, ele tem de extraí-los como
tributos de todos os cidadãos.
Aliás, para distribuir 100 ele
precisa extrair 110, porque
consume 10 na sua própria
subsistência.
Se o Estado não tiver recursos e tiver de cumpri-los aumentando sua dívida (interna
ou externa), começa a cavar
um fosso que elevará a taxa
de juros e tornará ainda maior
no futuro a falta de recursos,
pela redução do crescimento
do PIB.
Se, por outro lado, a política
monetária for laxista, aumentará a taxa de inflação (um
péssimo imposto) para extrair
do setor privado o que ele irá
receber como "direito". Lamentavelmente, por um princípio físico (que não responde
a "vontade política"), é do
couro que sai a correia...
Temos ainda um agravante.
O sistema tributário que emergiu da Constituição de 1988 ignora o federalismo ínsito na
construção do Brasil além de
ser muito ineficiente e injusto.
Talvez sua maior perversidade não esteja no peso exagerado da carga tributária
com relação ao PIB (certamente a maior do mundo para nosso nível de renda per capita),
mas na sua alta regressividade: quem ganha menos paga
proporcionalmente mais.
Em princípio, portanto, os
"direitos" são pagos em boa
parte por aqueles que potencialmente os exerceriam, mas
que os recebem como serviços
da pior qualidade, prestados
por um Estado ineficiente.
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às
quartas-feiras nesta coluna.
contatodelfimnetto@uol.com.br
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