|
Próximo Texto | Índice
Tudo pela sociedade
Aumento de cargos políticos mostra que reeleição foi tomada por Lula como licença para aparelhar mais o Estado
ENQUANTO o Supremo Tribunal Federal avalia a admissibilidade da principal denúncia relativa ao
mensalão, o Planalto reativa a linha de defesa política que se tornou clássica: o julgamento não
ameaça o governo, o presidente
não sabia de nada, tudo se resumiu a financiamento irregular de
campanha, cabe apenas à Justiça
decidir sobre o caso.
O presidente da República voltou a esse mantra na entrevista
ao jornal "O Estado de S. Paulo"
publicada no domingo. Luiz Inácio Lula da Silva repele o argumento de que o seu primeiro
mandato também está sob o crivo do STF dizendo que "o governo já foi julgado, e vitoriosamente" -nas urnas.
Nessa recidiva de escapismo
diante de escabrosas evidências
de corrupção, o que desaponta
mais, contudo, não é a retórica
do governo. Frustrante é perceber que ela tenta justificar não só
as faltas pretéritas da gestão mas
também o curso que vai tomando o segundo mandato. A vitória
eleitoral em outubro foi recebida
pelo lulismo como um endosso
ao aparelhamento da máquina
estatal e a práticas clientelistas.
O segundo governo Lula apenas começou e já multiplicou por
sete a taxa de criação de cargos
de confiança na administração
federal. Ao ritmo de quase 180
novos postos por mês, as colocações de livre provimento no final
de julho já montavam a 22.345
-2.400 ou 12% a mais que no último ano da gestão de Fernando
Henrique Cardoso.
No auge do escândalo do mensalão, há pouco mais de dois
anos, o governo prometeu reduzir em quase 80% a quantidade
desses cargos preenchidos sob
critérios partidários. A promessa
de fechar portas tradicionalmente abertas a negociatas era uma
satisfação emergencial à opinião
pública. Hoje a inflação de sinecuras tornou-se necessária para
responder "ao constante aumento de demandas da sociedade",
segundo informa o Ministério do
Planejamento.
De fato. A sociedade do presidente Lula com o PSB de Ciro
Gomes demandou a criação da
Secretaria de Portos; a associação do Planalto com o PRB de José Alencar fez brotar a curiosa
Secretaria de Planejamento de
Longo Prazo -embora os cargos
para essas e outras iniciativas do
gênero tenham sido gerados no
curto prazo mesmo. Tal estilo de
gerir levou Lula a fatiar ainda
mais a administração: deu à luz
12 órgãos em cinco anos (FHC
criou 4 em dois mandatos).
Tampouco é possível esquecer
a sociedade do presidente com o
seu partido. Com 5.000 cargos
na máquina federal, o PT fez
crescer em 158% a receita oriunda do chamado "dízimo" pago
por filiados agraciados com os
postos de livre provimento. Apenas no ano passado, R$ 2,9 milhões fluíram dos cofres públicos
para as contas do partido por
meio desse mecanismo.
Mas a conta do aparelhamento
do Estado para os contribuintes
e os usuários dos serviços públicos -bem como para o enraizamento das instituições democráticas no Brasil- é bem mais alta.
Próximo Texto: Editoriais: Médicos parados Índice
|