São Paulo, terça-feira, 28 de agosto de 2007

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MARCOS NOBRE

Photoshop na política

MORREU NO último sábado, aos 83 anos, o ex-primeiro-ministro francês Raymond Barre, que descrevia a si mesmo como "um espírito quadrado em um corpo roliço". Já o atual presidente, Nicolas Sarkozy, 52, do mesmo campo político da direita, teve uma foto sua retocada pela revista "Paris Match" para eliminar uns "pneuzinhos".
Entre a corpulência de Barre e o Photoshop de Sarkozy, muita coisa mudou na política francesa. A começar por uma mudança geracional. Sarkozy insiste em quebrar um a um todos os rituais estabelecidos há pelo menos 50 anos. Decidiu promover políticos muito jovens a posições centrais no governo.
Também cooptou quadros políticos da esquerda e do centro. Encabeçou vários lances diplomáticos sensacionalistas desde a posse, em maio. Mesmo se seu primeiro discurso de política externa de ontem tem indicações de continuidade com a tradição diplomática francesa do pós-Guerra, projeta também um alinhamento com os EUA que é novo.
É o primeiro presidente francês realmente midiático: sabe dizer uma coisa e seu contrário em uma mesma frase e pensa todos os seus passos em termos da cobertura jornalística que vai alcançar. Ganhou as eleições mesmo chamando os jovens que protestavam na periferia de Paris de "escumalha" e se dizendo inclinado a pensar que "se nasce pedófilo".
Essa transformação do panorama geral da política francesa começou nas eleições de 2002, quando o candidato socialista, Lionel Jospin, não conseguiu ir para o segundo turno. Naquela oportunidade, quase todas as forças de direita se reuniram em torno da União por um Movimento Popular (UMP) para enfrentar o candidato ultradireitista Jean-Marie Le Pen.
Os resultados eleitorais desfavoráveis de 2002 e de 2007 abriram uma crise no Partido Socialista francês que tem muito a ver com essas mudanças. O relativo fracasso da candidata Ségolène Royal nas eleições presidenciais deste ano mostrou que também os políticos socialistas acima de 55 anos não têm mais lugar.
O Brasil não está muito longe dessas mudanças. Com exceção de um ou outro nome, a velha guarda de políticos está dando lugar a uma nova geração que se orgulha de seu pragmatismo e da ausência de referenciais ideológicos.
Sarkozy tem o sólido apoio do empresariado e de um conservadorismo unificado. Mas seus lances midiáticos são por vezes tão arriscados e personalistas que é de pensar se ele ainda não vai acabar isolado um dia desses. Com uma outra aliança e uma outra correlação de forças, é exatamente o risco que corre Lula todos os dias. Um risco que Photoshop nenhum consegue eliminar.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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