São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2011 |
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JOSUÉ GOMES DA SILVA A ditadura do espaço O título original que dei ao meu artigo para a Folha, domingo passado, era "Competitividade, ainda que tardia", estabelecendo analogia com a frase da bandeira de Minas Gerais que abria o texto. Como o número de caracteres extrapolava as medidas específicas da coluna, tive de readaptar para "Ainda que tardia...". Diante do episódio, ocorreu-me que, em plena era de predominância da democracia e queda em cascata dos últimos regimes totalitários, vivemos insólita "ditadura" do espaço. E não é só nos meios de comunicação. Vejamos. A distância, frontal e lateral, entre os bancos dos aviões é cada vez menor. Torna-se quase impossível posicionar a parte inferior da perna a mais de 90 sem atingir o passageiro da frente, ou comer com garfo e faca sem abalroar a costela de quem senta ao lado. Talvez por isso, as refeições de bordo limitem-se aos biscoitos e sanduíches, para usarmos as mãos sem movimentar os braços. Os novos apartamentos são muito pequenos. Ao se mudar recentemente para um desses, um amigo deparou-se com desagradável situação: seu São Bernardo não cabia na área de serviço. Sugeriram-lhe amputar a cauda do pobre cão. Obviamente, não concordou. E já está tentando recomprar o velho sobradinho, no qual já foi assaltado algumas vezes. Carros populares exageram na redução tridimensional do habitáculo. Uma pessoa com altura superior a um 1,90 metro, sem condições de adquirir veículo maior, andará a pé ou no transporte coletivo, no qual, aliás, cinco pessoas costumam dividir cada metro quadrado de ônibus, trem ou metrô. O trânsito, cada vez mais congestionado, é um reflexo da pequena dimensão de ruas e avenidas em relação ao número de pessoas e veículos. Nas escolas, as salas de aula estão superpovoadas, com 50 alunos ou mais disputando posições para melhor visibilidade e audição do mestre. E quando na sexta-feira à noite, para relaxar, vamos ao restaurante com a pessoa amada, o número de mesas cada vez maior torna muito difícil trocar uma confidência sem compartilhar o galanteio com os vizinhos. O exemplo máximo do problema em nossa civilização, sem dúvida, são os apartamentos cápsulas de alguns países asiáticos. São "lares" de três metros quadrados.Um absurdo. Pensando nesses e em outros aspectos, chego à conclusão de que o espaço nos jornais é muito generoso, porque exige objetividade de quem escreve o que não é fácil! O mais importante é que não limita a sagrada liberdade de expressão, o que faz daimprensa um legítimo fórum para o debate de ideias. Cabe a quem escreve adequar o infinito pensamento aos caracteres disponíveis. Por falar nisso, será que já ultrapassei o limite? JOSUÉ GOMES DA SILVA escreve aos domingos nesta coluna. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Faxineiras Próximo Texto: TENDÊNCIAS/DEBATES Maria Tereza Sadek: Um conselho que incomoda muita gente Índice | Comunicar Erros |
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