São Paulo, terça-feira, 28 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sabotagem contra a democracia

JORGE BORNHAUSEN

A revelação pela imprensa do negócio eleitoral PT-PTB -composição que tem tudo de operação marginal de troca de interesses, sem nenhum toque político- implica não apenas fraude eleitoral, mas revela o absoluto desapreço petista pelos valores democráticos através dos quais chegou legitimamente ao poder.
Enquanto os demais cidadãos brasileiros, mesmo pertencendo aos partidos que foram por eles derrotados, orgulham-se da pujança republicana do país, capaz de promover sem traumas a alternância do poder -que, pela primeira vez, era entregue a um partido de esquerda, com um programa de contestação das políticas econômicas e sociais-, os petistas mostram absoluto desprezo por essas mesmas instituições.
Caso contrário, não estariam cometendo tantas temeridades.
Embora esse caso do PT-PTB, denunciado pela revista "Veja", seja o mais gritante, ele é apenas um fato entre muitos. Mas onde já se viu uma operação dessas? O PT pagaria R$10 milhões e o PTB lhe repassaria, onde isso fosse mais relevante, seus minutos de TV no horário da Justiça Eleitoral. Trocando em miúdos, esse é o resumo do acordo, apresentado como encontro de afinidades ideológicas e programáticas e confiança no governo.


O PT usa e abusa do governo, como se o poder conquistado eleitoralmente fosse uma doação patrimonial permanente


Ora, com essa manobra, o PT não somente teve mais tempo na TV (em horário eleitoral, portanto fora do mercado, não avaliável em dinheiro), como se qualificou perante o público com o suporte de uma aliança multipartidária considerável. E a preço de moeda corrente que não constará da prestação de contas à Justiça Eleitoral pelo candidato beneficiado. Como a democracia é fundamentalmente baseada em regras, iguais para todos, o negócio que beneficiou o PT tornará impugnáveis quaisquer candidatos eleitos pela coligação PT-PTB.
Aí vem o próprio presidente Lula e usa e abusa do cargo, de meios do governo, das redes obrigatória de TV, da propaganda oficial, de ajustes administrativos da economia para dar a impressão de que "a felicidade voltou a nos sorrir", comparecendo a comícios e falseando inaugurações de obras não acabadas para favorecer seus candidatos.
Um democrata suicida não usaria tão grande carga de veneno. O que o presidente e seu partido estão fazendo conduz à perda de confiança da sociedade; favorece os radicais de sempre, os eternos totalitários à esquerda e à direita; e alimenta a ganância dos negocistas que apostam nos regimes de força.
O importante, porém, é que a democracia não é tola, possui antídotos e, desde 1985, quando a reentronizamos (confiando em Tancredo Neves, ao contrário do PT, que lhe negou apoio e até expulsou seus membros que confiaram no líder mineiro), um número cada vez maior de cidadãos está pondo de lado suas divergências ideológicas, programáticas, partidárias, até suas doutrinas econômicas, para apostar tudo na liberdade e nas instituições democráticas.
Vale a pena acompanhar no Congresso a resistência de deputados e senadores que disseram não ao então aliciador oficial, um certo Sr. Waldomiro Diniz, ainda à época um desconhecido. Depois de um ano, um mês e 13 dias como subchefe da Casa Civil da Presidência, oferecendo benesses e cargos para esvaziar as bancadas da oposição, esse senhor foi apresentado em horário nobre da TV negociando propina com um bicheiro, numa cena lamentável. Agora, acaba de comprovar a Polícia Federal que, no dia 23 de março de 2003, já no governo Lula, ele compareceu à sede da Caixa Econômica Federal em Brasília para conseguir (o que foi aprovado no dia seguinte) um contrato para uma operadora de loterias muito ligada aos seus clientes bicheiros.
Vale a pena o levante nacional, suprapartidário, contra projetos totalitários destinados a calar a imprensa -caso do Conselho Federal de Jornalismo- e a submeter os artistas, além de onerar o consumo cultural dos cidadãos pela cobrança de novos impostos abusivos -caso da Ancinav.
O PT usa e abusa do governo, sem obedecer a elementares parâmetros éticos, como se o poder conquistado eleitoralmente fosse uma doação patrimonial permanente, com o mau exemplo dado pelo próprio presidente da República. Sufocar investigações legítimas (como a CPI abafada do caso Waldomiro Diniz, apesar de preenchidos os requisitos constitucionais para sua convocação) e cometer abusos como esse negócio com o PTB visando as eleições municipais é sabotar a democracia, mas tem o efeito de indignar os democratas e tornar mais forte a reação popular.

Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).


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