São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O crime compensa

JOSÉ CARLOS CARVALHO, EDUARDO JORGE SOBRINHO e FABIO FELDMANN


À Petrobras cabe mostrar que sustentabilidade empresarial é mais do que patrocinar louváveis ações culturais e ambientais

O BRASIL assiste a uma novela que está longe de se encerrar, demonstrando que meio ambiente e saúde pública ainda não são prioridade na agenda do governo federal e do setor empresarial: a resolução Conama 315/2002, necessária para diminuir a poluição dos veículos a diesel, está sendo literalmente descumprida. A razão: um festival de omissões, conforme palavras do ministro Carlos Minc nesta Folha (5/ 11).
As resoluções do Conama são objeto de amplo processo de negociação, envolvendo ministérios, governos estaduais e municipais, sociedade civil e setor empresarial. No caso da resolução 315, ANP, Anfavea e Petrobras acompanharam e contribuíram para a sua elaboração.
Ao se constatar a completa inação da ANP e da Petrobras para disponibilizar, em tempo hábil, óleo diesel com as características necessárias para as montadoras desenvolverem motores com menor emissão, uma coalizão de ONGs e governos começou um movimento em busca do cumprimento da resolução: no Conar, questionando a publicidade da Petrobras sobre o seu "bom-mocismo" ambiental, e no ISE-Bovespa, questionando as práticas pouco responsáveis em relação ao meio ambiente e à saúde pública. Pressionada, a ANP fez em poucos meses aquilo que não fez em sete anos, regulamentando em 2007 as características do diesel mais limpo. A medida tardia não surtiu efeitos: Petrobras e Anfavea alegaram não haver mais tempo para disponibilizarem, em escala comercial, o combustível mais limpo e veículos menos poluentes a partir de 2009. Acreditavam que a resolução 315 viraria uma "lei que não pegou".
O governo paulista promoveu ação judicial contra a ANP e a Petrobras, que, no decorrer, teve a participação do Ministério Público Federal (MPF), tendo a procuradora designada ingressado com outra ação contra as montadoras e o Ibama.
Até então, esperava-se que seria possível uma solução que garantisse o cumprimento da resolução 315 ou, não sendo possível tecnicamente, encontrar compensações que mitigassem os danos à saúde da população, assegurando no menor prazo que o país dispusesse do diesel S50 para toda frota, e a punição exemplar da ANP, da Petrobras e das montadoras.
A negociação caminhou em direção oposta: o Termo de Ajustamento de Conduta praticamente revogou a resolução do Conama, deixando para o futuro uma eventual responsabilização dos agentes públicos. E premiou as 15 montadoras e a Petrobras com obrigações risíveis: o financiamento de um laboratório de R$ 12 milhões e o desembolso de R$ 1 milhão para a fiscalização de fumaça preta.
A Petrobras é uma empresa estatal: caberia a ela demonstrar que sustentabilidade empresarial é mais do que patrocinar louváveis iniciativas culturais e ambientais fora do seu próprio negócio. A Fiat, em 1997, num caso de descumprimento do Proconve, foi obrigada a custear, sozinha, um laboratório de emissões em Minas Gerais e a regularização fundiária do Parque Estadual de Peruaçu. E o mais importante: o caso Fiat foi discutido pelo Conama. Comparativamente, este acordo judicial foi um excelente negócio para as montadoras, que, aliás, não explicaram as dificuldades em fabricar aqui motores com tecnologia praticada nos seus países de origem, cujos padrões de emissão são mais exigentes que os da resolução 315.
Nesta polêmica, devemos indagar: por que a recusa em submeter um TAC dessa importância à consulta pública, já que a matéria envolve a saúde de milhões de brasileiros que não podem escolher o ar que respiram? Por que apenas os ônibus dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro e as frotas de Belém, Recife e Fortaleza receberão o diesel S50 a partir de 1º de janeiro de 2009? Por que apenas a Cetesb terá um laboratório e não as outras agências estaduais? Uma consulta pública certamente teria fortalecido o MPF e o MMA. Se a elaboração de uma resolução pressupõe o engajamento dos atores envolvidos, com muito mais razão merece a sua "revogação". Tínhamos expectativa de que o TAC seria submetido à consulta pública e aprovado pelo Conama antes de firmado e homologado pelo Judiciário. Se existe a certeza de que a solução encontrada foi a melhor, por que não promover uma discussão? O modo como a questão foi conduzida desprestigiou o Conama, rasgou a legislação ambiental e fortaleceu a idéia de que o crime compensa.

JOSÉ CARLOS CARVALHO , 56, é secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais e ex-ministro do Meio Ambiente (governo FHC).
EDUARDO JORGE SOBRINHO , 59, é secretário municipal do Verde e Meio Ambiente de São Paulo e ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo (governos Luiza Erundina e Marta Suplicy).
FABIO FELDMANN , 53, é secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (governo Covas).



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