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TENDÊNCIAS/DEBATES
A Lei da Mordaça é necessária para disciplinar a divulgação de investigações?
SIM
Responsabilidade administrativa
IVES GANDRA MARTINS
Discute-se se a autoridade pública, que deve guardar sigilo das informações que detém, principalmente quando dotada de funções investigativas, poderia ou não repassá-las à imprensa, "em off", ou em entrevistas descuidadas, sem ser responsabilizada.
As autoridades interessadas na não-responsabilização e setores dos meios
de comunicação alcunharam o projeto de lei em tramitação no Congresso, de
forma pejorativa e com o intuito de desmoralizá-lo, de "Lei da Mordaça".
Compreendo o interesse da imprensa
em obter, a qualquer custo, a informação privilegiada, mas causa-me espécie
que as autoridades públicas, que defendem a idéia de revelar "investigações
em curso" ou simplesmente a praticam,
desconheçam normas fundamentais da
Constituição, como as que estão nos incisos X e LVII do artigo 5º, assim redigidos: "X - São invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação"; "LVII -
Ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória".
Pelo primeiro, a privacidade é assegurada. Pelo segundo, a presunção de inocência é garantida até o trânsito em julgado das decisões condenatórias. Vale
dizer, mesmo existindo condenações
em instâncias inferiores, o constituinte
entendeu existir a "presunção de inocência", enquanto houver recursos e defesa possíveis.
Ora, é notório que o principal "tribunal" desfigurador da imagem das pessoas é a imprensa. Uma acusação veiculada pela mídia, em primeira página,
substitui a "presunção da inocência"
por aquela "da culpabilidade", mesmo
que a pessoa não seja culpada, impedindo, assim, que sua imagem seja um dia
plenamente recuperada. Foi o que ocorreu com os inocentes dirigentes da Escola de Base ou com o presidente que
mais títulos deu ao São Paulo Futebol
Clube, José Eduardo de Mesquita Pimenta. Idêntica desfiguração ocorreu
com o deputado Ibsen Pinheiro.
Pior do que isso. O próprio interesse
público resta atingido quando a notícia
é divulgada previamente, pelas autoridades contaminadas pela "síndrome do
holofote". Investigações que só poderiam se revelar proveitosas se desenvolvidas de forma sigilosa resultarão frustradas, visto que o "presumível culpado", alertado, terá condições de destruir
provas ainda não coletadas.
A informação privilegiada -transferida para os meios de comunicação
contra a lei e a Constituição, as quais
impõem rigoroso sigilo às autoridades
com poderes investigativos-, em verdade, objetiva a condenação prévia, pela
sociedade, de pessoas que passam a ter
o seu direito de defesa diminuído, principalmente quando julgadas por "juízes
emotivos", como são os júris populares.
Em outras palavras, pretendem as autoridades "indiscretas", com o auxílio
da opinião pública formatada pela imprensa, derrubar o amplo direito de defesa, assegurado pelo artigo 5º, inciso
LV, da lei suprema, assim redigido:
"Aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes".
O que, todavia, é mais triste em relação à maioria daquelas autoridades que
deveriam guardar sigilo é que a vaidade
pessoal e a vontade de aparecer, de ser
manchete de jornais, torna-se a grande
obsessão de suas vidas e de seus currículos, preenchidos à custa da desobediência à lei.
Essa é a razão pela qual entendo que
responsabilizar as autoridades que descumprem a lei do sigilo é forma de valorizar a Constituição e assegurar a cidadania, que impõe respeito à imagem da
pessoa, assim como assegura o direito
de defesa, só podendo ser condenada de
acordo com o que dispõe a lei, e não por
preconceitos conformados por indiscrições ilegais.
Ives Gandra da Silva Martins, 67, advogado tributarista, é professor emérito das universidades
Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando do
Estado-Maior do Exército.
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