São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Lei da Mordaça é necessária para disciplinar a divulgação de investigações?

SIM

Responsabilidade administrativa

IVES GANDRA MARTINS

Discute-se se a autoridade pública, que deve guardar sigilo das informações que detém, principalmente quando dotada de funções investigativas, poderia ou não repassá-las à imprensa, "em off", ou em entrevistas descuidadas, sem ser responsabilizada.
As autoridades interessadas na não-responsabilização e setores dos meios de comunicação alcunharam o projeto de lei em tramitação no Congresso, de forma pejorativa e com o intuito de desmoralizá-lo, de "Lei da Mordaça".
Compreendo o interesse da imprensa em obter, a qualquer custo, a informação privilegiada, mas causa-me espécie que as autoridades públicas, que defendem a idéia de revelar "investigações em curso" ou simplesmente a praticam, desconheçam normas fundamentais da Constituição, como as que estão nos incisos X e LVII do artigo 5º, assim redigidos: "X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação"; "LVII - Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Pelo primeiro, a privacidade é assegurada. Pelo segundo, a presunção de inocência é garantida até o trânsito em julgado das decisões condenatórias. Vale dizer, mesmo existindo condenações em instâncias inferiores, o constituinte entendeu existir a "presunção de inocência", enquanto houver recursos e defesa possíveis.
Ora, é notório que o principal "tribunal" desfigurador da imagem das pessoas é a imprensa. Uma acusação veiculada pela mídia, em primeira página, substitui a "presunção da inocência" por aquela "da culpabilidade", mesmo que a pessoa não seja culpada, impedindo, assim, que sua imagem seja um dia plenamente recuperada. Foi o que ocorreu com os inocentes dirigentes da Escola de Base ou com o presidente que mais títulos deu ao São Paulo Futebol Clube, José Eduardo de Mesquita Pimenta. Idêntica desfiguração ocorreu com o deputado Ibsen Pinheiro.
Pior do que isso. O próprio interesse público resta atingido quando a notícia é divulgada previamente, pelas autoridades contaminadas pela "síndrome do holofote". Investigações que só poderiam se revelar proveitosas se desenvolvidas de forma sigilosa resultarão frustradas, visto que o "presumível culpado", alertado, terá condições de destruir provas ainda não coletadas.
A informação privilegiada -transferida para os meios de comunicação contra a lei e a Constituição, as quais impõem rigoroso sigilo às autoridades com poderes investigativos-, em verdade, objetiva a condenação prévia, pela sociedade, de pessoas que passam a ter o seu direito de defesa diminuído, principalmente quando julgadas por "juízes emotivos", como são os júris populares.
Em outras palavras, pretendem as autoridades "indiscretas", com o auxílio da opinião pública formatada pela imprensa, derrubar o amplo direito de defesa, assegurado pelo artigo 5º, inciso LV, da lei suprema, assim redigido: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
O que, todavia, é mais triste em relação à maioria daquelas autoridades que deveriam guardar sigilo é que a vaidade pessoal e a vontade de aparecer, de ser manchete de jornais, torna-se a grande obsessão de suas vidas e de seus currículos, preenchidos à custa da desobediência à lei.
Essa é a razão pela qual entendo que responsabilizar as autoridades que descumprem a lei do sigilo é forma de valorizar a Constituição e assegurar a cidadania, que impõe respeito à imagem da pessoa, assim como assegura o direito de defesa, só podendo ser condenada de acordo com o que dispõe a lei, e não por preconceitos conformados por indiscrições ilegais.


Ives Gandra da Silva Martins, 67, advogado tributarista, é professor emérito das universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército.


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