São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

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Como uma luva

Quer por inépcia, quer por outra razão, conclusões da PF sobre o escândalo do dossiê atendem a anseios do círculo lulista

"O MAIS difícil na solução de problemas é justamente provar aquilo que é óbvio." A frase do superintendente da Polícia Federal em Cuiabá, Daniel Lorenz de Azevedo, sintetiza o desfecho frustrante das investigações sobre o chamado escândalo do dossiê.
Jorge Lorenzetti, "analista de mídia" da chapa à reeleição presidencial, e Ricardo Berzoini, então presidente do PT e chefe da campanha de Lula, foram isentos de culpa. O relatório reconhece que o dossiê foi oferecido de início à campanha nacional do PT, mas julga insuficientes os elementos para indiciar seus principais integrantes. O ônus recai inteiro sobre a campanha do senador Aloizio Mercadante, candidato petista ao governo de São Paulo, indiciado sob acusação de crime eleitoral.
É de causar espécie que nenhum "aloprado" -o termo é de Lula- com status na campanha presidencial tenha sido indiciado. O relatório afirma que "a pessoa encarregada de centralizar os acordos foi Jorge Lorenzetti", mas não considera o fato uma evidência conclusiva.
A incapacidade da PF de "provar o óbvio" veio a calhar para o séquito lulista. Desde a eclosão do escândalo, a obsessão do círculo presidencial foi uma só: isentar a campanha pela reeleição de toda e qualquer responsabilidade na trama para incriminar adversários do PSDB.
O cálculo político mais elementar indicava que os estragos seriam mais manejáveis com o episódio circunscrito ao âmbito estadual. Entre rifar o candidato derrotado em São Paulo e pôr em risco o projeto da reeleição, os líderes partidários não hesitaram em concentrar suas energias na primeira escolha.
Mas o fato é que Mercadante, que nega tudo com veemência, não tem razão para preocupar-se -ao menos na esfera penal. O relatório não esconde a inépcia (e essa é a melhor das hipóteses) da PF, que não conseguiu identificar de modo irrefutável a origem do dinheiro sujo usado na tentativa de comprar os Vedoin, pivôs do escândalo dos sanguessugas.
Os modestos avanços na tentativa de traçar o percurso do R$ 1,17 milhão e dos US$ 248,8 mil apreendidos em São Paulo foram abortados. Atribua-se a culpa à "constante preocupação de todos os envolvidos em dissimular os fatos ocorridos, trazendo sérios entraves às investigações." Alguém precisaria lembrar aos autores do texto que a polícia existe justamente para contornar esses "sérios entraves".
Se o relatório fosse uma encomenda da Presidência, dificilmente seria mais apropriado. Descartada, só por hipótese, a pressão política, resta a inépcia da PF -tão decantada no governo Lula por sua "eficiência"-, incapaz de elucidar o mais grave escândalo das eleições de 2006.


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