São Paulo, terça-feira, 28 de dezembro de 2010

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Editoriais

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Educação literária

Ler também pode ser muito perigoso, como deve saber qualquer adolescente que tenha prestado vestibular. Se ao final do ensino médio o estudante ainda não domina o mínimo do cânone literário, corre sério risco de não conseguir entrar na faculdade desejada.
Para maximizar as chances dos alunos nos processos seletivos, os colégios adaptam seus programas à lista de autores consagrados, cujas obras são impostas aos discentes da forma aparentemente mais lógica -ou melhor, cronológica.
O resultado é que um jovem recém-egresso do primeiro grau pode se defrontar, sem maior preparo, com Camões. Isso não deixa de ser um início grandioso, mas é também muito difícil para quem está habituado às mensagens curtas do Twitter e das redes sociais.
A dificuldade, todavia, não é de hoje. Graciliano Ramos revelou, em "Infância", o quanto o aprendizado dos clássicos pode ser doloroso: "Foi por esse tempo que me infligiram Camões, no manuscrito", lembra ele. "Aos sete anos, no interior do Nordeste, ignorante da minha língua, fui compelido a adivinhar, em língua estranha, as filhas do Mondego, a linda Inês, as armas e os barões assinalados... Deus me perdoe. Abominei Camões".
É inegável que a escola não pode descartar o patrimônio cultural do país, nem lhe cabe atribuir à linguagem cotidiana um valor estético que esta não possui: sua tarefa consiste em conectar a realidade do aluno à memória da coletividade, para que ambas possam se vivificar e se desenvolver.
O contato com a tradição literária só pode produzir resultados consistentes se o estudante consegue divisar algum sentido nas obras que lhe são apresentadas. Se estas se resumem a uma carga que tem de ser suportada até o vestibular, e depois abandonada com alívio, então o sistema educacional não atingiu seu objetivo.
Nenhum processo de aprendizagem pode alcançar êxito se não se conectar com o presente, com a existência dos indivíduos que precisam ser socializados. A tradição e a norma culta não são o ponto de partida, mas o ponto de chegada.
Como se discutiu em reportagem publicada ontem pela Folha, não se trata de reduzir o ensino literário a uma fôrma que gira no sentido horário ou no anti-horário, e sim de buscar nos livros do passado e do presente elementos que despertem o interesse dos jovens estudantes -e os tornem aptos a descobrir o prazer da leitura.


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