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CARLOS HEITOR CONY
Orfandade geral
RIO DE JANEIRO - Primeiro foi dona Neuma. Agora foi dona Zica. As duas
eram o nosso oráculo, pontos de referência obrigatórios para a rapaziada
da mídia que não se apertava. Houvesse o que houvesse, terremoto no
Peru, invasão da Polônia, nova encíclica do papa, a existência de extraterrestres, a sobrevivência das baleias, qualquer causa ou falta de causa só podiam ser compreendidas após
as opiniões das duas simpáticas e
bem-amadas mangueirenses.
A culpa ou o mérito não seriam delas, mas dos citados rapazes e raparigas da mídia, que, à falta de consistência ou prática, promoveram dona
Neuma e dona Zica, e a Mangueira
em si mesma, a uma Delfos carioca
que, por falta de assunto ou de importância em outras plagas, tornaram-se nacionais.
Um bode cruzou com uma galinha
e gerou um sapo. Qualquer extravagância da natureza ou da sociedade,
aparentemente inexplicável como o
caso do bode e da galinha, só podia
ser explicada por elas. E elas até que
se esforçavam para dar conta do recado e não decepcionar a plebe.
De certo modo, elas substituíam
dom Hélder Câmara, que, em certo
momento de sua passagem pela face
da Terra, tornou-se também um oráculo, até que um repórter consultou-o
a respeito de uma miss não-sei-o-quê
que tinha falsificado a idade e aumentado artificialmente os quadris.
Dom Hélder transferiu o problema
para a vontade de Deus e desconfiou
que precisava economizar opiniões,
do contrário, acabaria sendo jurado
de um programa de TV.
Com dona Zica e dona Neuma
aconteceria o mesmo. Elas tinham
uma dignidade inata, que nem mesmo o assédio da mídia afetaria.
Todos os anos, ao serem anunciadas as escolas de samba campeãs,
torciam bravamente pela Mangueira, passavam mal, invocavam o santo nome de Jesus e, ganhando ou perdendo para a Portela ou para a Beija-Flor, elas se superavam em simpatia e nós todos torcíamos por elas.
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