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São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Orfandade geral

RIO DE JANEIRO - Primeiro foi dona Neuma. Agora foi dona Zica. As duas eram o nosso oráculo, pontos de referência obrigatórios para a rapaziada da mídia que não se apertava. Houvesse o que houvesse, terremoto no Peru, invasão da Polônia, nova encíclica do papa, a existência de extraterrestres, a sobrevivência das baleias, qualquer causa ou falta de causa só podiam ser compreendidas após as opiniões das duas simpáticas e bem-amadas mangueirenses.
A culpa ou o mérito não seriam delas, mas dos citados rapazes e raparigas da mídia, que, à falta de consistência ou prática, promoveram dona Neuma e dona Zica, e a Mangueira em si mesma, a uma Delfos carioca que, por falta de assunto ou de importância em outras plagas, tornaram-se nacionais.
Um bode cruzou com uma galinha e gerou um sapo. Qualquer extravagância da natureza ou da sociedade, aparentemente inexplicável como o caso do bode e da galinha, só podia ser explicada por elas. E elas até que se esforçavam para dar conta do recado e não decepcionar a plebe.
De certo modo, elas substituíam dom Hélder Câmara, que, em certo momento de sua passagem pela face da Terra, tornou-se também um oráculo, até que um repórter consultou-o a respeito de uma miss não-sei-o-quê que tinha falsificado a idade e aumentado artificialmente os quadris.
Dom Hélder transferiu o problema para a vontade de Deus e desconfiou que precisava economizar opiniões, do contrário, acabaria sendo jurado de um programa de TV.
Com dona Zica e dona Neuma aconteceria o mesmo. Elas tinham uma dignidade inata, que nem mesmo o assédio da mídia afetaria.
Todos os anos, ao serem anunciadas as escolas de samba campeãs, torciam bravamente pela Mangueira, passavam mal, invocavam o santo nome de Jesus e, ganhando ou perdendo para a Portela ou para a Beija-Flor, elas se superavam em simpatia e nós todos torcíamos por elas.


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