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OTAVIO FRIAS FILHO
Política da violência
A maioria das pessoas sensatas
sente uma repulsa natural perante a política externa adotada pelo presidente Bush. Do ponto de vista humano, essa política é arrogante, agressiva e produziu o morticínio de duas
guerras em dois anos. Do ângulo político, ela reduz a margem de negociação e entendimento, reinstalando a intimidação como principal ferramenta
de política exterior.
É pelo menos duvidoso que essa política possa tornar o mundo um lugar
mais seguro, como gostam de apregoar os assessores de Bush. Violência
gera violência -o truísmo continua
sendo verdadeiro na maioria das situações. O endurecimento da atitude
norte-americana em relação ao mundo decerto faz aumentar o rancor contra a sua supremacia nas regiões críticas onde ele já fermentava.
A lógica do terrorismo, inspirada
numa crença mágica nas supostas virtudes da violência quando "bem" empregada, é exatamente essa. Vistos em retrospectiva, mais de dois anos depois, os atentados do 11 de Setembro
deixaram um só resultado relevante, a
saber, o de terem afastado por um
bom tempo a possibilidade de uma liderança moderada, em busca de consensos, por parte da superpotência.
O desfecho da eleição presidencial
nos Estados Unidos, em novembro
próximo, não parece capaz de reverter
essa perspectiva. Se Bush vencer, o
que se afigura provável, a política de
beligerância unilateral receberá uma
injeção de legitimidade que só deverá
acentuá-la. Se um democrata vencer,
tratará de impor a ela correções de
tom, sem alterar o rumo essencial.
O valor que a política tem para a civilização é reduzir o recurso à violência
na resolução de conflitos. Nesse sentido, a doutrina Bush é regressiva e merece o epíteto, hoje em desuso, de reacionária. Mas, a fim de não comprometer alguma lucidez analítica, é importante evitar que nossos desejos se
confundam com a realidade. Não é
preciso abandoná-los para ressaltar
que a política tem sua lógica, gostemos dela ou não.
Nenhum presidente teria ignorado
que o 11 de Setembro traumatizava a
nação e exigia uma resposta de seu governo. Nenhum presidente teria desconhecido que o episódio lhe dava um
trampolim para a popularidade, na
forma de um revide que fosse considerado à altura da agressão. E nenhum
presidente teria evitado passar à ofensiva, mobilizando todos os recursos
disponíveis para um contra-ataque,
"justo" ou não.
Pelas armas, os Estados Unidos depuseram o regime afegão, Estado em
que a rede terrorista estava abrigada
como um vírus num hospedeiro. Com
a deposição do ditador iraquiano, asseguraram o fornecimento de óleo caso o regime precário e amigável no outro grande produtor da região, a Arábia Saudita, venha a cair. Com ambas
as operações, introduziram um corredor de segurança que passou a dividir
ao meio o mundo islâmico.
A intimidação não resolve problemas, mas funciona quando a desproporção de forças é grande. Desarticulada, a rede terrorista não conseguiu
repetir o feito. A China se manteve
"neutra", a Coréia do Norte recuou, a
Líbia entregou os pontos. A Europa limitou-se à habitual indignação retórica. Não houve novas sublevações islâmicas em países aliados.
Trata-se de uma política odiosa, mas
não está provado que esteja errada do
ponto de vista dos Estados Unidos.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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