São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OTAVIO FRIAS FILHO

Política da violência

A maioria das pessoas sensatas sente uma repulsa natural perante a política externa adotada pelo presidente Bush. Do ponto de vista humano, essa política é arrogante, agressiva e produziu o morticínio de duas guerras em dois anos. Do ângulo político, ela reduz a margem de negociação e entendimento, reinstalando a intimidação como principal ferramenta de política exterior.
É pelo menos duvidoso que essa política possa tornar o mundo um lugar mais seguro, como gostam de apregoar os assessores de Bush. Violência gera violência -o truísmo continua sendo verdadeiro na maioria das situações. O endurecimento da atitude norte-americana em relação ao mundo decerto faz aumentar o rancor contra a sua supremacia nas regiões críticas onde ele já fermentava.
A lógica do terrorismo, inspirada numa crença mágica nas supostas virtudes da violência quando "bem" empregada, é exatamente essa. Vistos em retrospectiva, mais de dois anos depois, os atentados do 11 de Setembro deixaram um só resultado relevante, a saber, o de terem afastado por um bom tempo a possibilidade de uma liderança moderada, em busca de consensos, por parte da superpotência.
O desfecho da eleição presidencial nos Estados Unidos, em novembro próximo, não parece capaz de reverter essa perspectiva. Se Bush vencer, o que se afigura provável, a política de beligerância unilateral receberá uma injeção de legitimidade que só deverá acentuá-la. Se um democrata vencer, tratará de impor a ela correções de tom, sem alterar o rumo essencial.
O valor que a política tem para a civilização é reduzir o recurso à violência na resolução de conflitos. Nesse sentido, a doutrina Bush é regressiva e merece o epíteto, hoje em desuso, de reacionária. Mas, a fim de não comprometer alguma lucidez analítica, é importante evitar que nossos desejos se confundam com a realidade. Não é preciso abandoná-los para ressaltar que a política tem sua lógica, gostemos dela ou não.
Nenhum presidente teria ignorado que o 11 de Setembro traumatizava a nação e exigia uma resposta de seu governo. Nenhum presidente teria desconhecido que o episódio lhe dava um trampolim para a popularidade, na forma de um revide que fosse considerado à altura da agressão. E nenhum presidente teria evitado passar à ofensiva, mobilizando todos os recursos disponíveis para um contra-ataque, "justo" ou não.
Pelas armas, os Estados Unidos depuseram o regime afegão, Estado em que a rede terrorista estava abrigada como um vírus num hospedeiro. Com a deposição do ditador iraquiano, asseguraram o fornecimento de óleo caso o regime precário e amigável no outro grande produtor da região, a Arábia Saudita, venha a cair. Com ambas as operações, introduziram um corredor de segurança que passou a dividir ao meio o mundo islâmico.
A intimidação não resolve problemas, mas funciona quando a desproporção de forças é grande. Desarticulada, a rede terrorista não conseguiu repetir o feito. A China se manteve "neutra", a Coréia do Norte recuou, a Líbia entregou os pontos. A Europa limitou-se à habitual indignação retórica. Não houve novas sublevações islâmicas em países aliados.
Trata-se de uma política odiosa, mas não está provado que esteja errada do ponto de vista dos Estados Unidos.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Cara e coragem
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.