São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Boa sorte ao Fed

ANTONIO DELFIM NETTO

A economia americana comemorou em fevereiro o seu 108º mês de crescimento consecutivo do PIB. Nos últimos quatro anos ela cresceu à incrível (para o seu tamanho!) taxa de 4,2% ao ano. Se considerarmos que o PIB brasileiro é da ordem de 9,5% do PIB americano, verificaremos que, a cada 26 meses, o aumento da produção total de bens e serviços nos EUA tem sido equivalente a um PIB anual brasileiro.
A elevação das taxas de juros que o Fed vem promovendo (tendo em vista suas previsões) tem tido efeitos minúsculos e frequentemente acompanhados por fatos novos, contraditórios, que alteram profundamente as "expectativas" do mercado. A maldição dos Bancos Centrais é que eles têm de agir "olhando para a frente", fazendo previsões sobre o futuro que, por definição, é opaco, mas só sabem o que vêem pelo retrovisor, isto é, o que "viram no passado". Alan Greenspan olha no retrovisor e vê:
1) que o "exército de reserva" de trabalhadores, com variações aleatórias e estacionais, aproxima-se de um limite inferior. Em outras palavras, ele imagina que a economia está chegando perto de uma taxa de desemprego (hoje está em 4,1%) que poderá organizar mais agressivas reivindicações salariais. Isso não parece muito provável porque os ganhos de produtividade têm permitido substanciais aumentos reais de salários desde 1994;
2) que os ganhos de produtividade, ainda que derivados de progressos tecnológicos combinados com novos investimentos, principalmente no setor de telecomunicações e informática, continuam associados positivamente às variações do PIB, o que significa que uma redução do crescimento reduzirá, também, a taxa de expansão da produtividade;
3) que a variação da taxa de lucro das empresas não financeiras continua fortemente ligada às variações do PIB, de forma que uma redução do crescimento deve levar a uma diminuição dos investimentos e, provavelmente, a um ajuste nas Bolsas;
4) que o déficit em conta corrente continua ligado à expansão do PIB. Não é fora de propósito esperar que ele atinja 4,5% do PIB em 2000;
5) que ninguém sabe se há ou não uma "bolha" na Bolsa americana, ainda que haja forte e plausível argumentação nos dois sentidos. A característica da "bolha" é que ela só é conhecida quando explode;
6) que a missa de sétimo dia para a Opep não funcionou e ela parece ter ressuscitado, e
7) que ninguém sabe se existe ou não a "nova economia" que explicaria benignamente todos esses fatos. Objetivamente, o que está crescendo é a "expectativa" de inflação extraída das taxas de juros de longo prazo dos papéis do Tesouro americano com correção monetária, que estiveram em 2% ao longo de 1999.
Cada sinal desses é preocupante e alguns são contraditórios. A última coisa que o Fed deseja é precipitar uma aterrissagem forçada da economia americana, que teria o sabor de uma catástrofe neste ano eleitoral. O que fazer? Como todo Banco Central que se preza, aplicar a velha regra de Brainard: "Se você não sabe o que está fazendo, pelo amor de Deus, faça devagar", rezando para funcionar...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A melhor parte
Próximo Texto: Frases

Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.