São Paulo, quarta-feira, 29 de abril de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Morando no palanque

JOSÉ ANÍBAL


A oposição está disposta a aprovar toda medida sensata e bem elaborada, mas não pode calar ante um projeto eleitoreiro


PODEMOS LER na Bíblia, no Genesis, que Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo. O presidente Lula, no seu sétimo ano, como se pudesse repetir o Senhor, diz: "Faça-se um milhão de casas". Lula se acha abençoado, mas esse milhão de casas só se fará se contar com ajuda divina. Pelo sim, pelo não, o presidente já deixou claro que sua mais nova promessa não tem prazo para ser cumprida.
A fala solta do presidente induz cada família sem teto a acreditar que a sonhada casa própria está ao alcance da mão, até porque, ter uma parede hidráulica -pia de um lado, chuveiro e privada do outro- é o grande sonho de quem não tem moradia. Mas, se retórica de palanque fosse ação gerencial, o Brasil já teria zerado o déficit habitacional.
A promessa de agora já foi feita antes -era até mais modesta, mas, ainda assim, não foi cumprida. Em 2006, um ano eleitoral, o presidente Lula prometeu construir 600 mil casas populares, ao custo de R$ 18,7 bilhões. Não cumpriu: conseguiu gastar a metade (R$ 9,5 bilhões) e entregou apenas 115.523 casas. Agora, requenta a mesma fórmula falida.
As razões da distância estratosférica entre promessas e realidade são duas, basicamente: falta de dinheiro e falta de competência para usar bem, de forma correta e ágil, os recursos disponíveis no Orçamento e os financiamentos do FGTS.
A promessa de agora não tem prazo nem previsão orçamentária. O dinheiro a ser gasto, diz o governo, virá do FGTS, com pesados subsídios. A conta desses subsídios e das eventuais inadimplências será remetida para os próximos governos. Já o mico ficará com as prefeituras.
Elas é que vão ser vistas como responsáveis pelas obras. Adiante, quando as casas não se materializarem, a cobrança recairá sobre os prefeitos. As casas previstas no plano são minúsculas: com área útil de 32 m2, serão do tamanho de uma pequena sala comercial. A planta não permite expansão nem adaptação para moradores com necessidades especiais. O acabamento proposto é precário, certeza de problemas com infiltrações e umidade.
A conta da infraestrutura social -equipamentos sociais, escolas, postos de saúde- também irá para as prefeituras. Isso na hipótese otimista de elas conseguirem executar a contento a infraestrutura urbana (arruamento, água e esgoto, iluminação pública), que o governo federal promete financiar. Redes de coleta e tratamento de esgotos feitas por construtoras privadas, com dinheiro da Caixa Econômica? Delírio puro: esqueçam.
Os parceiros preferenciais do governo federal no plano são empresas privadas, e não é de descartar que algumas delas aproveitarão para desovar terrenos "micados" em áreas distantes dos centros urbanos, sem nenhuma infraestrutura. O certo seria aproveitar áreas já providas de infraestrutura, que até sobram em algumas cidades.
Mas, para isso, seria preciso dar realce às prefeituras, que podem doar terrenos, se tiverem, ou comprá-los, se puderem. É pouco provável que possam, estranguladas que estão pela queda drástica dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios nos últimos meses. Como se não bastasse, o desastrado plano do governo prevê que os municípios renunciem ao ISS e ao ITBI gerado pela construção das casas; e os Estados, ao ICMS, do qual 25% vão para os municípios.
A conta do projeto habitacional de Lula, portanto, vai ser remetida a três destinatários: aos atuais prefeitos e governadores, que vão pagá-la à vista; e a seu sucessor na Presidência da República, que vai quitá-la aos poucos. Essa conta será uma das faces da herança maldita que Lula deixará para seus sucessores (a outra será a explosão irresponsável e irreversível dos gastos de pessoal do governo).
Antes que se diga que a oposição está apostando no fracasso, apresso-me em afirmar que nós não seremos obstáculo para que as famílias brasileiras morem melhor. A oposição está disposta a aprovar toda medida que seja sensata e bem elaborada, mas não pode calar ante um projeto eleitoreiro que promete encaixotar famílias em espaços exíguos e insalubres. Diante disso, nossa obrigação é rotular o plano habitacional do governo com o título que ele de fato merece -mais um malabarismo populista e eleitoreiro com a marca registrada do governo Lula. Muita propaganda, pouca realização; muita bravata, pouca responsabilidade; muito palanque, pouca competência. Esse, verdadeiramente, é o cara.

JOSÉ ANÍBAL PERES DE PONTES, 61, economista, é deputado federal pelo PSDB-SP e líder do partido na Câmara. Foi presidente nacional do PSDB (2001-2003).


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