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TENDÊNCIAS/DEBATES
A ciência em risco
GLACI ZANCAN
As medidas tomadas pela área econômica do governo federal, cortando em aproximadamente 45% o orçamento do Ministério da Ciência e
Tecnologia, exigem que a sociedade tome conhecimento dos riscos de tal medida.
Nas últimas décadas, o país mudou de
patamar em ciência no conjunto das nações, situando-se entre as 20 mais produtivas. Resta, no entanto, um descompasso entre a modesta capacidade científica instalada nas universidades e a minúscula capacidade de inovação no parque produtivo.
A comunidade científica sempre defendeu a adoção de políticas públicas
capazes de propiciar o crescimento harmônico dos dois braços da área de C&T
(ciência e tecnologia), indispensáveis
para sustentar o crescimento econômico e social estável. A falta de centros de
desenvolvimento tecnológico é uma decorrência de ser o parque industrial majoritariamente multinacional, com centros de pesquisa e desenvolvimento em
outras regiões do mundo.
Ao planejar o futuro da área de C&T,
nunca se desconheceu que o cobertor é
curto e que, portanto, o equilíbrio entre
as formas de fomento e entendimento
entre as agências financiadoras é de vital
importância. É preciso olhar para essa
área com uma visão ampla e na perspectiva de longo prazo, tendo clareza de
que a ciência cresce onde existe ambiente apropriado, resultante da reunião de
experientes pesquisadores e jovens criativos com financiamento suficiente para mantê-los trabalhando.
Ao longo dos anos, os pesquisadores
se habituaram a um permanente malabarismo para sobreviver em razão das
constantes mudanças de programas de
fomento, decorrentes da "criatividade"
dos gestores que se sucedem no comado das agências. Mesmo essa imensa capacidade de adaptação não evita que
volta e meia apareçam casos de morte
anunciada.
O surgimento dos Fundos Setoriais,
sem dúvida uma forma criativa de financiamento, voltada para o fomento
da inovação em redes de conhecimento
definidas, foi bem recebido, pois se buscava alavancar um setor extremamente
deficitário.
A criação do Fundo de Infra-Estrutura foi a maneira que se encontrou para
retornar ao antigo sistema de apoio institucional da década de 70. Só que o volume de recursos é claramente insuficiente, a ponto de gerar novas tensões e
preocupações, ampliadas pela falta de
diálogo entre os diferentes atores envolvidos no processo.
Nunca é demais alertar que em ciência é difícil construir e manter escolas, mas é muito fácil destruí-las
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Mesmo com tantos cuidados, havia (e
ainda há) a preocupação de que a nova
forma de fomento fosse resultar em cortes nos investimentos governamentais
em fomento do CNPq, inclusive em
programas considerados prioritários,
como é o caso dos Núcleos de Excelência (Pronex).
Políticas são implementadas através
de orçamentos e de sua liberação sistemática pela área econômica. A análise
dos orçamentos dos últimos anos mostra que faz sentido toda essa preocupação com os cortes. O risco é real. O orçamento do CNPq tem se mantido no
mesmo patamar, apesar da inclusão de
novos programas e da desvalorização
do real. A execução orçamentária dos
primeiros quatro meses deste ano mostra que praticamente apenas os recursos
de bolsas vêm sendo liberados.
A comunidade espera por definições
claras de como ficará o financiamento
da pesquisa, principalmente naqueles
grupos que não contam com suporte
das agências estaduais ou não se encaixam em redes de conhecimento definidas nos Fundos Setoriais.
O contingenciamento anunciado, retirando quase a metade do orçamento
do Ministério da Ciência e Tecnologia,
será catastrófico. Estará colocando em
risco todo o sistema de C&T, além de
anular todo o esforço feito na reformulação da área.
Nunca é demais alertar que em ciência
é difícil construir e manter escolas, mas
é muito fácil destruí-las quando não
lhes são dadas condições mínimas de
sobrevivência e reposição.
Glaci Zancan, 67, professora titular de bioquímica da Universidade Federal do Paraná, é presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
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