São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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Conselho de Segurança a qualquer custo?

CARLOS EDUARDO GAIO e JAMES LOUIS CAVALLARO

O Itamaraty finalmente vê seu pleito de um assento permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU começar a ser discutido seriamente. Desde que o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, publicou o relatório "Por Maior Liberdade", propondo mudanças concretas para as Nações Unidas, praticamente todas as atenções do governo brasileiro estão voltadas para esse assunto.
A idéia de que o Brasil merece uma cadeira permanente no Conselho de Segurança já vinha sendo discretamente perseguida pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Desde 2003, no entanto, a diplomacia brasileira, dita "ativa e altiva", vem intensificando suas ações e trabalhando em ritmo acelerado.
Deixando de lado a histórica rivalidade com a Argentina no tocante à liderança regional do Brasil, aflorada e calorosamente debatida nas últimas semanas, não há dúvidas sobre a necessidade de uma representatividade regional mais balanceada naquele órgão. Desde logo, é preciso deixar claro que apoiamos a iniciativa brasileira em pleitear seu ingresso, bem como defendemos a revisão do direito exclusivo de veto, um poder desequilibrado que permite a imposição de posições arbitrárias por um grupo limitado de países. No entanto, é preciso questionar o que parece ser a política brasileira a esse respeito: a de buscar uma vaga permanente no Conselho de Segurança a qualquer custo.


Tudo leva a crer que o Brasil, com a mirada no CS, estaria sendo omisso e conivente com desrespeito aos direitos humanos

Como parte dessa política, o governo brasileiro decidiu liderar a missão de estabilização da ONU (Minustah), criada com a resolução 1.542/2004 do Conselho de Segurança, adotada no dia 30 de abril de 2004. Como documentamos no recente relatório "Mantendo a Paz no Haiti?", baseado em nossas visitas ao Haiti ao longo dos últimos meses, a atuação da ONU naquele país, para a qual o Brasil contribui decisivamente, é lamentável.
O resultado dessa falha é trágico: grupos armados continuam a espalhar terror na capital, Porto Príncipe; membros do antigo exército haitiano -que fora desmantelado em 1995-, que participaram na recente rebelião que levou à saída de Aristide, continuam controlando importantes áreas do planalto central do país, atuando ilegalmente como força de ordem e segurança. Enquanto isso, a polícia nacional haitiana continua perseguindo, violentando e assassinando haitianos, muitas vezes até com cobertura de tropas da ONU.
Apesar de receber relatórios e mais denúncias sobre os problemas no Haiti, o governo brasileiro mostra uma reação que tem sido nula em termos práticos.
Em 31 de março de 2005, numa decisão histórica, o Conselho de Segurança decidiu encaminhar a crítica situação de Darfur, no Sudão, para o recém-criado Tribunal Penal Internacional (TPI).
Essa é a primeira vez que o CS envia um caso para o TPI, vencendo inclusive a resistência de seu principal opositor, os Estados Unidos da América. O resultado dessa votação mostrou que apenas Estados Unidos, China, Argélia e Brasil se abstiveram. Facilmente deduzível por que Argélia e China, dois países com violações massivas e sistemáticas de direitos humanos e bons candidatos a terem os seus nacionais processados pelo TPI, se opõem à decisão.
Mas por que o Brasil não quer que o TPI investigue denúncias de genocídio, crimes contra a humanidade, no Sudão? Apesar da declaração do embaixador Sardenberg, de que o Brasil não estaria de acordo com uma concessão técnica feita aos EUA, parece que a razão para a posição brasileira pode ser outra.
Há poucas semanas, o jornalista Joel Brinkley afirmou em artigo no New York Times que uma delegação brasileira em visita ao Sudão, em fevereiro, teria prometido ao governo daquele país não apoiar punições da ONU contra o Sudão em troca de apoio à pretensão brasileira no Conselho de Segurança.
Se a informação do jornalista for de fato verídica, o Brasil estaria ignorando dezenas de milhares de mortes e o sofrimento de vítimas inocentes, mulheres violentadas e estupradas, crianças órfãs e sem perspectivas. É dizer: se o governo brasileiro não desmentir publicamente o que foi divulgado pelo jornal americano, tudo leva a crer que o Brasil, com a mirada única na hipotética cadeira no grupo dos países mais poderosos, estaria sendo omisso e conivente com uma terrível situação de desrespeito aos direitos humanos.
A Organização das Nações Unidas foi erigida sobre princípios de humanidade, respeito aos direitos humanos e à liberdade. Tanto a tragédia no Haiti como o genocídio de Darfur, que o governo brasileiro parece ignorar e usar como barganha, não nos deixam esquecer das questões práticas e prementes a serem analisadas vis-à-vis ao Conselho de Segurança da ONU. Diante de tão delicadas questões, é imprescindível que a sociedade brasileira indague: a que custo o Brasil está buscando seu assento no Conselho de Segurança?

Carlos Eduardo Gaio, 27, advogado, é coordenador de relações internacionais da ONG Justiça Global.
James Louis Cavallaro, 41, advogado, é diretor de relações internacionais da ONG Justiça Global e diretor do Programa de Direitos Humanos e membro do corpo docente da Harvard Law School.
@ - global@global.org.br


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