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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A dramática busca por um emprego

Numa hora em que o Brasil precisa melhorar a qualidade da educação, é triste ver uma pessoa formada em pedagogia buscando um emprego de gari no Rio de Janeiro, numa fila onde, na segunda-feira passada, se acotovelaram 30 mil pessoas, no meio de um grande tumulto.
Como a professora, estavam na fila advogados, médicos, fisioterapeutas, contadores e vários outros profissionais frustrados por viverem em um país que lhes permitiu estudar, mas não lhes permite trabalhar.
É um absurdo! Os brasileiros estão desesperados. Todos querem emprego. A fila de 30 mil pessoas é uma prova disso. Trata-se de um povo ordeiro, que deseja construir sua vida com base no trabalho decente, e não com base em esmolas.
Gari é uma profissão decente. O salário é baixo -é verdade-, mas é o que sobrou (em pequena escala). As pessoas não aguentam mais ficar desempregadas. O tumulto surgiu devido ao excesso de candidatos, muitos dos quais entraram na fila na sexta-feira à noite para serem atendidos na segunda de manhã e foram mandados para casa porque não conseguiram comprovar que tinham completado a quarta série do primeiro grau.
Contra essa gente, uns mais educados, outros menos educados, as autoridades usaram granadas de gás lacrimogêneo, mobilizaram o Grupamento de Ações Táticas do Primeiro Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro e até o Grupamento Tático de Motocicletas, todos eles empenhados em "espantar" os presentes, que nada mais queriam do que trabalhar. Sim, trabalhar. Simplesmente trabalhar!
Esse é o tratamento que a nossa sociedade resolveu dispensar aos desempregados. Os relatos foram dramáticos. Há quem esteja há dois anos sem emprego e, por isso, sonhe em poder se manter na Cidade Maravilhosa ganhando R$ 280 por mês.
Sinceramente, não esperava chegar aos 75 anos de idade e aos 50 de trabalho para ver isso acontecer com os meus semelhantes em um país tão rico, tão cobiçado e tão maltratado. Chegamos a um limite -o limite da vergonha. É vergonhoso ver 30 mil pessoas apanharem numa fila porque querem trabalhar e uma professora disposta a varrer as ruas porque não há lugar para ela na sala de aula.
Isso me entristece. Entristece muito. Alguma coisa tem de ser feita -e com urgência. Chego até a cogitar das frentes de trabalho, contra as quais sempre me opus por serem paliativas. Não seriam elas melhores do que a mendicância ou o crime?
O Brasil tem tudo para empregar seu povo. Basta olhar para a potencialidade da nossa agricultura, do turismo, da infra-estrutura, da educação, da saúde e tantas outras áreas carentes e necessitadas da contribuição humana. Temos de dar um basta na especulação e fazer este país voltar-se de corpo e alma para a produção e para o emprego -as principais prioridades da nação.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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