São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A nova Abin

MAURO MARCELO DE LIMA E SILVA

Discorrer sobre a atividade de inteligência num regime democrático é um grande desafio. O conjunto da sociedade não tolera mais a repetição de fatos vincados pela conotação de um Estado paralelo -em que se cometiam as mais variadas arbitrariedades em detrimento do interesse público. Mas também seria impensável imaginar um país sem um serviço de informação. A produção de conhecimento e inteligência é indispensável à decisão estratégica do presidente da República, aos interesses nacionais e ao Estado. É um serviço para o Estado, e não para o governo. Os governos passam. O Estado fica.
A Agência Brasileira de Inteligência, Abin, é o órgão central do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), criado pela lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999. A criação da agência deu ao Estado instrumentos institucionais para processar e coordenar informações necessárias às decisões de governo.


A nossa atuação está balizada por rigorosos limites éticos e legais na proteção da sociedade brasileira


No universo específico em que trabalha, a Abin tem, entre suas competências: a) planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o presidente da República; b) planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis (econômicos, industriais e científico-tecnológicos) relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade; c) avaliar ameaças, endógenas e exógenas, à ordem constitucional; d) promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligência e realizar estudos e pesquisas para o exercício e o aprimoramento da atividade de inteligência.
Em resumo, a Abin deve planejar, executar, supervisionar e controlar a atividade de inteligência do país -além de assessorar o presidente da República nas questões de interesse do Estado e da sociedade, basicamente nas duas vertentes de sua atuação, a inteligência e a contra-inteligência. Está claro que a missão da agência está revestida de caráter estratégico.
A melhor analogia encontrada vindica uma Abin como uma espécie de "beque central do Estado" -e não do governo. Cabe a esse beque central antecipar as jogadas (oportunidades). Também deve evitar o ataque adversário (proteção ao conhecimento, à sociedade, ao Estado democrático de Direito e aos interesses nacionais). A diferença entre Estado e governo é imperceptível para o senso comum, mas norteadora da nossa administração. Digamos, essa separação, no regime democrático merecedor desse termo, remonta aos velhos axiomas do Iluminismo: encontrará um exemplo na integral separação entre a igreja e o Estado.
Ao assumir a direção geral da instituição, destaco, mais uma vez, o caráter democrático que rege minhas convicções. E a certeza de que essa será uma gestão a primar pela transparência. Infelizmente, boa parte da crônica da inteligência é episódica de tocaias contra a cidadania, de vilanias contra o senso comum. Esses tempos, em que a atividade de inteligência era um dos kits de sobrevivência do Estado paralelo, foram definitivamente encerrados. Graças à singular fricção que aprendemos, dia a dia, com o pleno exercício democrático.
Vamos manter -abertos e permanentes- canais de diálogo com a sociedade, além de buscar mecanismos adequados para o melhor desempenho de suas atribuições e controle. Críticas e cobranças sempre existirão. E, naturalmente, a Abin as espera e agradece por elas, afinal, são demandas vitais em um regime democrático. Mas também não nos falta percepção de que temos de nos dedicar com afinco a redefinir prioridades na configuração e na execução do sistema de inteligência do país. É possível mencionar aspectos de grande relevância, tais como a elaboração de uma nova política nacional de informação, a sistematização de uma coleta ética de dados, além da indispensável reciclagem constante dos analistas de informação. Mas sempre lembrando: não nos é permitido errar.
As relações sociais globalizadas, com as quais convivemos, passaram a exigir novas e sofisticadas qualificações dos profissionais de inteligência. Aqui, a Abin tem como meta permanente ajustar o foco de sua atuação; dispomos de funcionários dedicados, patrióticos, que trabalham em silêncio e com perfil lapidarmente discreto. Possuem uma visão sistêmica e holística, não bastando apenas o conhecimento, mas também o emprego do metaconhecimento e o uso da lógica na produção de inteligência para a decisão governamental.
A Agência Brasileira de Inteligência busca constantemente o aperfeiçoamento, dentro de parâmetros éticos, da atividade de inteligência, principalmente porque seu instrumento de trabalho, a análise, baseia-se no raciocínio e no argumento -portanto na lógica dedicada à procura do conhecimento, e não apenas de uma opinião. Suas demandas, ativas e passivas, estão pulverizadas num largo espectro, estendido do terrorismo à biopirataria, da espionagem econômica aos crimes transnacionais, da violência interna aos diferentes tipos de tráfico.
A nossa atuação, como se sabe, está balizada por rigorosos limites éticos e legais na proteção da sociedade brasileira, que é a nossa principal missão. Combinando a atividade de inteligência com democracia, devemos nos antecipar a qualquer ameaça que possa colocar em perigo os cidadãos e a soberania do país.
Fui indicado pelo governo para um trabalho de Estado, e não de governo. Tenho plena consciência disso. Peço a confiança da sociedade, e para isso só disponho de uma peculiar credencial: a minha biografia.

Mauro Marcelo de Lima e Silva, 44, delegado de polícia, é o diretor-geral da Abin.


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