São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Depois da eleição

TUDO PODE acontecer em eleição ou nas semanas que que a antecedem. Afora imprevisto extremo, porém, a sucessão presidencial de 2006 está definida. O presidente será reeleito, por grande margem, no primeiro turno.
Essa eleição terá característica singular na história brasileira, mesmo quando comparada com a eleição de 1950, em que se elegeu Getúlio Vargas. O Brasil, embora não mais seja país pobre, ainda é país de pobres: pobre, por qualquer critério razoável, é a grande maioria dos brasileiros. E enquanto as duas classes médias -a tradicional e a dos emergentes- se dividem entre os três candidatos principais, tudo indica que os pobres se definem, como que com uma só voz, em favor do presidente-candidato.
Dessa circunstância resultam dois problemas para o futuro governo. O primeiro é que não se governa o Brasil de hoje contra as classes médias, mesmo quando se conta com o beneplácito dos endinheirados. O segundo é que a fórmula a que se resigna a massa pobre -pequenas transferências compensatórias de recursos, na ausência de qualquer mudança de fundo na estrutura das oportunidades econômicas e educativas- não basta nem para ela nem para o país.
Os dois problemas têm a mesma solução. A solução é que o novo governo Lula abrace projeto de desenvolvimento econômico com inclusão social que nossas duas classes médias possam compreender e apoiar. Projeto que, sem renegar o realismo fiscal ou a ajuda emergencial aos que penam na miséria, abra portas para a ascensão econômica e educativa de dezenas de milhões de brasileiros.
Reduzido a seus elementos mais básicos, esse projeto tem três diretrizes. Oportunidade educativa: sacudir o ensino público de cima a baixo para melhorar-lhe dramaticamente a qualidade. Oportunidade econômica: fazer os interesses do trabalho e da produção prevalecerem sobre os do rentismo, acabar com a informalidade a que continuam condenados 60% dos trabalhadores e usar os poderes e os recursos do Estado para dar condição aos esforçados -acesso a crédito, tecnologia, conhecimento e escala.
Oportunidade política: separar a política dos negócios, tirando-a da sombra corruptora do dinheiro. Para que se efetive tal projeto, duas coisas são necessárias. A primeira é o presidente reeleito ousar, sabendo quando unir e quando dividir. A segunda é que alguns de seus adversários de ontem se disponham a lutar, como seus aliados de amanhã, para dar braços e asas à energia frustrada do país.


www.law.harvard.edu/unger

ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.


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