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BORIS FAUSTO
O tapetão e o tapete
Nunca foi tão grande o contraste
entre o prestígio do futebol brasileiro no exterior e a indigência dos jogos disputados no Brasil. Uma das razões desse contraste é a revoada de
nossos jogadores, agora não apenas
para os grandes centros do imperialismo futebolístico, como a Itália e a Espanha, mas também para as zonas da
periferia européia.
Por exemplo, num desses dias, estava assistindo ao jogo entre Juventus e
Galatasaray pela Copa dos Campeões,
quando fiquei sabendo que, no bem
arrumado time turco, jogam três brasileiros. Um é o Cesar Prates cuja carreira quem acompanha futebol conhece. Mas dos outros dois nunca tinha ouvido falar e, ao que tudo indica,
nem o narrador. Perguntei a amigos
mais cultos do que eu, e nada. Imagino tratar-se de garotos que muito cedo vão para a Europa, antes mesmo de
que tomemos conhecimento de sua
existência por aqui.
Há poucas possibilidades de deter a
revoada, a não ser que algum grupo
radical se disponha à nobre tarefa de
fechar o mercado e impor um sistema
de licença de exportações, sob aplausos gerais. Como -assim acredito-
nossos radicais não levam a esse ponto seus sonhos de autonomia pátria
num mundo globalizado, é melhor
conformar-se e aceitar o irremediável.
Mas há coisas remediáveis que poderiam, ao menos, proporcionar ao
torcedor um Campeonato Brasileiro
decente, ainda que modesto. Com
uma ou outra exceção, os jogos são lamentáveis, tanto pela falta de qualidade técnica, quanto pela disseminação
da violência, incentivada pela maioria
dos treinadores. Não por acaso, aliás,
os estádios das duas maiores cidades
do país estão cada vez mais vazios.
Para piorar esse estado de coisas, os
homens que comandam nosso futebol
transformaram o Campeonato Brasileiro deste ano numa palhaçada sem
limites. Bem mais do que no passado,
a decisão de muitos jogos não ocorre
em campo, mas no tapetão. A Ponte
Preta perdeu os pontos de dois jogos,
em benefício do Internacional e do Juventude, mas recuperou mais adiante
outros, em prejuízo do Paysandu, que
perdeu também os pontos do jogo
contra o Corinthians.
Houve um ensaio para tirar dez
pontos do Santos, prudentemente
contornado. Há ainda recursos do São
Caetano e do Fluminense, ameaças
rondam o Goiás, tudo dependendo de
decisões ainda não tomadas e recursos dos recursos.
Discutir se a maior culpa cabe aos
dirigentes dos clubes que não cumprem formalidades de registro de jogadores, se à CBF, que resolveu complicar regras burocráticas, se ao STJD,
cujos julgamentos não pairam acima
de qualquer suspeita, não é tarefa do
torcedor.
O ministro dos Esportes ou autoridades afins deveriam cuidar seriamente da questão. Arruinar, de uma
vez por todas, uma lúdica paixão coletiva, que integra o imaginário de milhões de pessoas, seria uma penosa
frustração. Como torcedor -se me
permitem a imagem-, sinto que o tapetão está destruindo, velozmente, o
pouco que resta do tapete verde de
nossos sonhos.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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