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São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 2003

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BORIS FAUSTO

O tapetão e o tapete

Nunca foi tão grande o contraste entre o prestígio do futebol brasileiro no exterior e a indigência dos jogos disputados no Brasil. Uma das razões desse contraste é a revoada de nossos jogadores, agora não apenas para os grandes centros do imperialismo futebolístico, como a Itália e a Espanha, mas também para as zonas da periferia européia.
Por exemplo, num desses dias, estava assistindo ao jogo entre Juventus e Galatasaray pela Copa dos Campeões, quando fiquei sabendo que, no bem arrumado time turco, jogam três brasileiros. Um é o Cesar Prates cuja carreira quem acompanha futebol conhece. Mas dos outros dois nunca tinha ouvido falar e, ao que tudo indica, nem o narrador. Perguntei a amigos mais cultos do que eu, e nada. Imagino tratar-se de garotos que muito cedo vão para a Europa, antes mesmo de que tomemos conhecimento de sua existência por aqui.
Há poucas possibilidades de deter a revoada, a não ser que algum grupo radical se disponha à nobre tarefa de fechar o mercado e impor um sistema de licença de exportações, sob aplausos gerais. Como -assim acredito- nossos radicais não levam a esse ponto seus sonhos de autonomia pátria num mundo globalizado, é melhor conformar-se e aceitar o irremediável.
Mas há coisas remediáveis que poderiam, ao menos, proporcionar ao torcedor um Campeonato Brasileiro decente, ainda que modesto. Com uma ou outra exceção, os jogos são lamentáveis, tanto pela falta de qualidade técnica, quanto pela disseminação da violência, incentivada pela maioria dos treinadores. Não por acaso, aliás, os estádios das duas maiores cidades do país estão cada vez mais vazios.
Para piorar esse estado de coisas, os homens que comandam nosso futebol transformaram o Campeonato Brasileiro deste ano numa palhaçada sem limites. Bem mais do que no passado, a decisão de muitos jogos não ocorre em campo, mas no tapetão. A Ponte Preta perdeu os pontos de dois jogos, em benefício do Internacional e do Juventude, mas recuperou mais adiante outros, em prejuízo do Paysandu, que perdeu também os pontos do jogo contra o Corinthians.
Houve um ensaio para tirar dez pontos do Santos, prudentemente contornado. Há ainda recursos do São Caetano e do Fluminense, ameaças rondam o Goiás, tudo dependendo de decisões ainda não tomadas e recursos dos recursos.
Discutir se a maior culpa cabe aos dirigentes dos clubes que não cumprem formalidades de registro de jogadores, se à CBF, que resolveu complicar regras burocráticas, se ao STJD, cujos julgamentos não pairam acima de qualquer suspeita, não é tarefa do torcedor.
O ministro dos Esportes ou autoridades afins deveriam cuidar seriamente da questão. Arruinar, de uma vez por todas, uma lúdica paixão coletiva, que integra o imaginário de milhões de pessoas, seria uma penosa frustração. Como torcedor -se me permitem a imagem-, sinto que o tapetão está destruindo, velozmente, o pouco que resta do tapete verde de nossos sonhos.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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