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São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Ou César ou nada

RIO DE JANEIRO - Devia citar a frase em latim, "aut Caesar, aut nihil", mas vai mesmo em vernáculo -já me acusam de apelar muito para o latim mal aprendido mas não esquecido. Foi um lema que serviu até para Hitler em seus raros momentos de indecisão, e o resultado todos sabemos. Seria bem melhor se ele tivesse escolhido o nada.
Outro que disse coisa parecida, de forma mais suave porque era latino, mas com significado igual, foi Mussolini, sócio de Hitler na mesma aventura: "Prefiro um dia de leão a cem anos de ovelha".
Esse tipo de radicalismo muitas vezes transcende a política e a economia e invade as artes em geral. Lembro um grupo de poetas patrícios que, ali pelos anos 40 ou 50, adotou o lema: "Ou Dante ou nada". Do grupo, fazia parte o Gerardo Mello Mourão, que hoje se penitencia daquele arroubo, apesar de ter sido, naquela geração, o que mais se aproximou de Dante.
César e Dante podem ser considerados leões na selva das selvas que é a vida em geral. O Joel Silveira me garantiu que leão nunca é de nada, só tem a goela, o rugido que faz tremer a floresta e impõe terror aos súditos, que são os outros animais, desde o tigre e o elefante, aos esquilos e às borboletas (não tenho certeza se há borboleta nas florestas, mas, de qualquer forma, elas também devem ficar assustadas com o formidável rugido que sai da goela do leão).
Não sei por que estou pensando em César, Dante, Mussolini, Hitler, Joel Silveira, Gerardo Mourão e borboletas. Não, não é falta de assunto, pelo contrário, é assunto demais.
Outro dia, vi um ministro do atual governo, sobre o qual há suspeitas de nada ter feito durante o ano que passou, garantir que, no próximo ano, fará a floresta tremer com o rugido que sairá de sua goela colossal. Nada fez até agora porque não era tempo. Preferiu ser um nada em 2003 para ser um César em 2004.



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