São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

O faz-de-conta

BRASÍLIA - Todo ano, o governo discute, discute, discute e anuncia um mínimo do mínimo, o mercado elogia a "prudência", a oposição ridiculariza, as centrais sindicais negociam com o governo a portas fechadas e criticam a decisão a portas abertas. Enquanto os mais de 20 milhões que ganham a ninharia ficam calados.
Pela Constituição, o mínimo deve "atender às suas [dos trabalhadores urbanos e rurais] necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social".
Para tudo isso -ou apenas isso-, o Dieese diz que o valor deveria ser de R$ 1.402 em março. Mas o governo do PT anunciou ontem um aumento de R$ 240 para R$ 260, incapaz de garantir a dignidade atribuída constitucionalmente ao brasileiro.
Sai governo, entra governo, é assim. Mas o governo Lula nos reserva dados a mais de reflexão. Porque é do PT. E porque, depois de três semanas de discussões e de pelo menos sete reuniões paralisando uma dezena de ministros por horas e horas, eles se fixaram no que já estava definido desde o início.
No mundo do faz-de-conta, portanto, temos que todos se mobilizam e gritam já sabendo previamente que o mínimo vai ser mínimo, que a Constituição é só para inglês ver, que as reuniões são meros vícios de Lula e do PT. Porque, como sempre, o índice já estava decidido desde o ano passado, quando o governo enviou ao Congresso um Orçamento prevendo R$ 256,00. Palocci só admitiu R$ 4 a mais. Disciplinados, os demais ministros aquiesceram. No comando, o presidente bateu o martelo.
Daí, é só botar a culpa na "herança maldita", ou seja, em FHC. Porque, como disseram os ministros Mantega, Berzoini e Lando, o governo queria muito, mas muito mesmo, dar um aumentão. Infelizmente, a situação está preta, o mar não está para peixe, o buraco é mais embaixo. E a Previdência? E a responsabilidade fiscal?
Engraçado, parece até que já ouvimos isso antes, mas deve ser impressão. Afinal, tudo mudou. Ou não?


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