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ELIANE CANTANHÊDE
O faz-de-conta
BRASÍLIA - Todo ano, o governo discute, discute, discute e anuncia um
mínimo do mínimo, o mercado elogia a "prudência", a oposição ridiculariza, as centrais sindicais negociam
com o governo a portas fechadas e
criticam a decisão a portas abertas.
Enquanto os mais de 20 milhões que
ganham a ninharia ficam calados.
Pela Constituição, o mínimo deve
"atender às suas [dos trabalhadores
urbanos e rurais] necessidades vitais
básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social".
Para tudo isso -ou apenas isso-,
o Dieese diz que o valor deveria ser de
R$ 1.402 em março. Mas o governo do
PT anunciou ontem um aumento de
R$ 240 para R$ 260, incapaz de garantir a dignidade atribuída constitucionalmente ao brasileiro.
Sai governo, entra governo, é assim.
Mas o governo Lula nos reserva dados a mais de reflexão. Porque é do
PT. E porque, depois de três semanas
de discussões e de pelo menos sete
reuniões paralisando uma dezena de
ministros por horas e horas, eles se fixaram no que já estava definido desde o início.
No mundo do faz-de-conta, portanto, temos que todos se mobilizam e
gritam já sabendo previamente que o
mínimo vai ser mínimo, que a Constituição é só para inglês ver, que as
reuniões são meros vícios de Lula e
do PT. Porque, como sempre, o índice
já estava decidido desde o ano passado, quando o governo enviou ao
Congresso um Orçamento prevendo
R$ 256,00. Palocci só admitiu R$ 4 a
mais. Disciplinados, os demais ministros aquiesceram. No comando, o
presidente bateu o martelo.
Daí, é só botar a culpa na "herança
maldita", ou seja, em FHC. Porque,
como disseram os ministros Mantega, Berzoini e Lando, o governo queria muito, mas muito mesmo, dar um
aumentão. Infelizmente, a situação
está preta, o mar não está para peixe,
o buraco é mais embaixo. E a Previdência? E a responsabilidade fiscal?
Engraçado, parece até que já ouvimos isso antes, mas deve ser impressão. Afinal, tudo mudou. Ou não?
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