São Paulo, quinta, 30 de abril de 1998

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As "reformas" já foram feitas



FHC, agora, dá sinais de querer transformar as "reformas" nabaleia branca mitológica de Herman Melville
MARCELO DÉDA

É unânime a compreensão de que as mortes do ministro Sérgio Motta e do deputado Luís Eduardo Magalhães representam uma perda para o governo e para a nação. Ao longo destes últimos três anos, o convívio com Luís Eduardo na Câmara me ensinou a respeitá-lo como um líder governista duro na disputa, mas leal nos acordos. Consciente de que não há democracia sem oposição, ele sempre soube respeitá-la, mesmo quando teve que tratar de matérias que suscitavam divergências profundas.
Apesar da perda desses dois importantes operadores políticos, nada prova que o governo não conseguirá votar os sete destaques para votação em separado da "reforma" da Previdência.
Se isso não acontecer, é porque o Planalto não quer. Terá optado por manter o mito de que essa "reforma", que tira direitos dos trabalhadores e já está sendo "secretamente" reformada por uma equipe comandada por André Lara Resende, tem caráter mágico e pode nos tirar do atoleiro em que estamos.
Tendo renunciado completamente a qualquer veleidade de projeto nacional autônomo, FHC precisa, desesperadamente, alimentar uma consciência mágica de que as "reformas" são a salvação da lavoura e de que, com elas, entraremos numa espécie de "Reich de mil anos" do tucanato.
Para tanto, ele precisa dizer que as ditas reformas, determinadas pelo FMI, pelo BID e pelo Bird, instituições que atuam como comitê central do capital especulativo internacional, ainda não foram realizadas. Essa operação exige que a Presidência entre no perigoso campo da mentira e da demagogia, para esconder que as "reformas" já foram feitas e que nem por isso chegamos a um prometido Primeiro Mundo.
Pelo contrário: nossa economia é cada vez mais dependente e vulnerável, nossas desigualdades sociais cada vez mais intoleráveis e nossas taxas de crescimento econômico cada vez mais ridículas e semelhantes às da chamada década perdida.
Com efeito, desde 1995, FHC fez aprovar tudo o que quis no Congresso. A reforma do capítulo da ordem econômica, já promulgada e regulamentada, que implicou a quebra do monopólio estatal da exploração do petróleo, das telecomunicações, da energia elétrica, da exploração do gás canalizado e da navegação de cabotagem, está aí há muito tempo.
Nem por isso estamos nadando em petróleo, cujos preços foram aumentados; nem navegando em mares de almirante, já que grassa o desemprego na navegação de cabotagem; nem dispondo de um serviço decente de telefonia ou livres dos constantes apagões patrocinados pela Light privatizada.
A reforma casuística e antidemocrática, levada a efeito por meios indecentes, que introduziu o instituto da reeleição em nossa legislação eleitoral foi aprovada em tempo recorde para satisfazer aos caprichos do príncipe e mereceu a condenação, em editorial, de instituições insuspeitas de esquerdismo, como "The New York Times".
A "reforma" administrativa já foi aprovada em dois turnos nas duas Casas do Congresso. Ainda não foi promulgada porque FHC se entregou a uma orgia de edições e reedições de medidas provisórias, esquecendo-se de que, depois da promulgação da emenda, ele não pode mais legislar por via de MP sobre questões administrativas.
Isso gerou a necessidade de o Congresso se reunir, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, coisa rara sob FHC, para tentar transformar em leis as dezenas de MPs ditadas pelo Planalto e encalhadas nos desvãos da burocracia do nosso pobre Legislativo. Tudo isso prova: as "reformas" já foram feitas.
As oposições continuarão cumprindo seu papel de denunciar essas "reformas", que na verdade são contra-reformas. Elas esperam, no entanto, da opinião pública e dos meios de comunicação que não comprem a farsa montada pelo Planalto, que finge acreditar na mágica das "reformas", mas dá a entender que gostaria de aprová-las sem fazer força.
Em suas relações com o Parlamento, FHC sempre navegou entre a truculência explícita e o fisiologismo banal. Mas, agora, dá sinais de querer transformar suas "reformas" na mitológica baleia branca de Herman Melville. Está fora de nosso alcance impedir que FHC seja atormentado pelas alucinações que acometiam o capitão Ahab, criado pelo célebre escritor americano.
Cabe-nos, no entanto, chamar a atenção para desastres como o desemprego, o crescimento exponencial do déficit público e a aguda crise social que já explode nas pequenas cidades nordestinas -tudo isso apesar das "reformas" milagreiras e das privatizações realizadas na bacia das almas.

Marcelo Déda, 38, advogado, é deputado federal pelo PT-SE e líder do partido na Câmara dos Deputados. Integrou a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.



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