São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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ACESSO À UNIVERSIDADE

O governo federal encaminhou ao Congresso projeto de lei que estabelece novos critérios de acesso ao ensino universitário. São duas propostas básicas. A primeira delas determina que as instituições de ensino superior privadas que usufruem de incentivos fiscais, como as entidades filantrópicas, devem destinar 20% de suas vagas para bolsas de estudo integrais, sem o que perderiam os benefícios a que têm direito.
Com essa medida, o Ministério da Educação (MEC) espera aumentar consideravelmente a oferta de vagas para alunos de baixa renda no ensino superior. O programa também garantiria a contrapartida que, não raro, essas instituições deixam de conceder, recorrendo a subterfúgios como diluir a obrigatoriedade de concessão de bolsas em pequenos "descontos" nas mensalidades.
A segunda proposta do MEC é reservar 50% das vagas de graduação das universidades federais para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio público. A idéia é, mais uma vez, favorecer alunos de menor renda, impossibilitados de freqüentar o ensino privado.
A proposta referente à "estatização" de vagas de faculdades e universidades filantrópicas é engenhosa, mas nem por isso deixa de suscitar ponderações. O governo não precisaria necessariamente abdicar dos recursos gastos com a renúncia fiscal. Eles poderiam, em tese, ser recolhidos e destinados ao ensino público. É evidente também que muitos dos estabelecimentos privados, diante da inação governamental, tornaram-se notórios por seu pífio desempenho acadêmico, pela ausência de investimento na produção de conhecimento científico e pela habilidade em burlar os métodos de controle de qualidade.
Mais questionável ainda é pretender corrigir no topo um desvio que começa na base. O problema da democratização do ensino se inicia no ensino fundamental deficiente oferecido pelo Estado, que leva famílias de classe média a procurar escolas privadas e condena os filhos das mais pobres a uma formação deficiente que os prejudica na disputa por vagas em universidades públicas.
A reserva de vagas para estudantes de escolas públicas não resolve a questão, como também não assegura que os beneficiados sejam os mais pobres -uma vez que não há na proposta um corte por renda. Não é improvável que estudantes menos qualificados de classes mais abastadas migrem para o ensino público visando beneficiar-se da cota. É preciso lembrar que hoje a presença de estudantes egressos do ensino público nas universidades federais já é, em média, de 42%. Os ganhos, portanto, seriam marginais.
Certamente as propostas não agravam a situação -ao contrário, tendem a melhorá-la. Deveriam, contudo, ser vistas pelo ministério apenas como parte de um contexto maior, que está a exigir medidas mais profundas e abrangentes.
Não se pode esquecer de que o papel das universidades não se reduz a formar profissionais para o mercado de trabalho. Essas instituições devem estar voltadas essencialmente à produção científica e à formação de pesquisadores altamente qualificados. Não são, como sugere o nome do programa do governo, "para todos", mas para uma elite intelectual que tem condições de atender às exigências da vida acadêmica. Para que essa elite possa contar com maior presença de representantes das classes de baixa renda, seria preciso dar conta de questões estruturais, algo que não se faz num passe de mágica.
Por outro lado, no ensino superior deve haver instituições que atendam à demanda por formação de bons profissionais para o mercado de trabalho. Assim, seria necessário colocar o debate sobre o desenho de um novo sistema que contemplasse, como ocorre em vários países, opções qualificadas de ensino superior profissionalizante e universidades verdadeiramente de excelência.


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